Democracia Militante: combate ou justificativa para o autoritarismo?

Democracia Militante
A tese vem sendo utilizada como justificativa para excessos cometidos por tribunais superiores. Oposição, que hoje aplaude, amanhã poderá lamentar, alerta Philip Antonioli

A Constituição Federal de 1988 estabelece, já em seu preâmbulo, a condição do Brasil de “Estado Democrático”, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais a toda a população. Na mesma linha, o artigo 1º consagra a nossa República Federativa como “Estado Democrático de Direito”, que se assenta em uma série de princípios – como a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político.
Ambos os dispositivos demonstram de forma cabal que, dentro das normas constitucionais vigentes, não há ordem possível senão a democrática – o que impõe às instituições pátrias a obrigação de defender a democracia de todo e qualquer ataque, ainda que perpetrado por membros de Poder (que são, por princípio, independentes).
A questão que se coloca, neste momento, diz respeito aos limites da atuação dos agentes públicos contra aqueles que, por atos ou palavras, ameaçam o regime: podem, os defensores das “quatro linhas” da Carta Magna, lançar-mão de mecanismos e estratégias que, com o intuito de salvaguardar a democracia, violam preceitos por ela assentados?
Essa é uma discussão antiga, que remonta a meados da década de 1930, quando da ascensão do nazifascismo na Europa.
O tema passou a ser mais debatido recentemente no Brasil, a partir da atuação do Poder Judiciário – em especial do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) – em resposta a investidas do presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores contra os Poderes e o sistema eleitoral.
Nesse cenário, a tese da Democracia Militante é considerada por muitos como um “mal menor”, que permite uma ocasional transgressão das regras, desde que o propósito seja, ao fim, o enfrentamento à tirania. Outros, porém, avaliam a iniciativa com ponderação, dado o risco de a abertura se tornar pretexto para eventuais excessos.
Em todo o mundo, as democracias constitucionais vivem turbulências devido à atuação de líderes populistas como Viktor Orbán na Hungria, e Recep Tayyip Erdoğan, na Turquia. Diante desse quadro, e em decorrência de insinuações de fraudes nas eleições brasileiras de 2022, juízes e ministros passaram a atuar de forma monocrática, dotados de “superpoderes” para coibir investidas contra o sistema democrático.

Estruturada pelo constitucionalista alemão Karl Loewenstein, a tese da “militância democrática” descreve os instrumentos jurídicos “adequados” para coibir a atuação de grupos, movimentos e partidos antidemocráticos no processo eleitoral. Contraditoriamente, o risco da Democracia Militante é, a pretexto de garantir direitos, tornar-se ela mesma autoritária.
“Não é necessário fazer uma análise jurídica sobre essa teoria para dizer que o momento que vivemos não é o período pós-nazismo, quando ela foi concebida e estruturada como contraponto ao poder daquela linha política”, afirma o criminalista Philip Antonioli, sócio do Campos e Antonioli Advogados Associados, especializado em Direito Penal Econômico.

De acordo com Antonioli, a “militância democrática” é derivada de um contexto histórico específico e não deve ser importada para os dias atuais de modo automático e acrítico. “As teorias jurídicas e a legislação brotam de relações econômicas, sociais e culturais de uma sociedade em uma determinada época. Não estamos vivendo sob o nazismo ou o fascismo. Adotar essa teoria nos dias de hoje me parece inadequado.”

A tese de Karl Loewenstein já chegou a ser mencionada abertamente pelos ministros do STF Gilmar Mendes e Edson Fachin. Dentre os atos do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), destacam-se os inquéritos a respeito das milícias digitais e dos atos antidemocráticos, as determinações de bloqueios de perfis em redes sociais e a ampliação das competências da corte eleitoral para o combate à desinformação.

Na visão de Antonioli, apesar do respaldo de parte da mídia e do mundo político, tal postura “abre a possibilidade de, daqui a três anos, essa mesma argumentação ser utilizada contra quem estiver no poder – pois, pau que bate em Chico também bate em Francisco”.

Ele lembra que as prerrogativas concedidas ao Ministério Público na Constituição de 1988 “foram aplaudidas veementemente pelo PT. Décadas depois, tivemos a Lava Jato, e o PT se voltou contra o Ministério Público, diante dos excessos cometidos e que posteriormente vieram a público”.

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