STJ restringe ações de busca pessoal

STJ restringe ações de busca pessoal

Decisões da Quinta e Sexta Turmas anulam provas obtidas de forma ilícita

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem consolidado uma posição cada vez mais garantista quanto à nulidade de provas obtidas de forma ilícita, com precedentes da Quinta e da Sexta Turma fixando critérios cada vez mais rígidos para validar material probatório obtido em contextos indevidos. Nos últimos anos a atenção foi para casos de violação de residência sem mandado judicial. Mais recentemente, o tribunal se voltou às provas obtidas por meio de revistas pessoais e veiculares indevidas.

Um precedente relevante foi proferido pela Sexta Turma no começo deste mês, anulando provas obtidas em busca considerada ilegal. No caso concreto, ocorrido na cidade de Tupã, no interior paulista, policiais abordaram e realizaram busca no veículo de um sujeito considerado suspeito porque tinha antecedentes por tráfico de drogas. Os ministros do STJ entenderam que os antecedentes criminais do sujeito, por si sós, não eram motivo para a ação.

“Admitir a validade desse fundamento para, isoladamente, autorizar uma busca pessoal implicaria, em última análise, permitir que todo indivíduo que um dia teve algum registro criminal na vida seja diuturnamente revistado pelas forças policiais”, afirmou o relator do Habeas Corpus (HC) 774140, ministro Rogerio Schietti Cruz. Para ele, a situação perpetuaria a pena restritiva de liberdade, exigindo que o histórico criminal do indivíduo seja acompanhado de outros indícios que reforcem a suspeita.

Em abril deste ano, a Sexta Turma também invalidou provas obtidas em busca pessoal fundada unicamente na percepção de “atitude suspeita” do réu. O tribunal entendeu que mesmo o fato de terem sido encontradas drogas com o réu não convalida a ilegalidade da busca. O relator, ministro Schietti Cruz, sustenta que a busca pessoal deve ser justificada por elementos sólidos. A razão é “evitar a repetição de práticas que reproduzem preconceitos estruturais arraigados na sociedade, como é o caso do perfilamento racial, reflexo direto do racismo estrutural”, afirma.

As revistas pessoais são previstas no artigo 244 do Código de Processo Penal, pelo qual a busca independe de mandado em caso de prisão ou “fundada suspeita” de que a pessoa esteja na posse de arma, objetos ou papéis que constituam corpo de delito. A expressão dá ampla margem de interpretação para o agente da lei, o que tem chamado a atuação dos tribunais para fixar critérios mais restritos e objetivos do conceito.

Um primeiro ponto a se levar em conta é que criminosos não têm cara nem roupa definidos. Por isso é importante estabelecer um protocolo de procedimentos que, ao mesmo tempo, preserve os direitos do cidadão e dê segurança à sociedade. Ou seja, é preciso encontrar critérios que não acabem por restringir a ação das autoridades de segurança.

Precisamos buscar a Justiça social, sim, o que passa pelo respeito à cidadania, a começar a privacidade. Mas o bem maior, que é o interesse da sociedade, deve prevalecer sobre tudo o mais que se coloque em discussão. Em especial nesse momento que nossa sociedade atravessa, de grande polarização, agressividade e falta de respeito aos princípios básicos da cidadania.

O fato é que a expressão “fundada suspeita” presente no artigo 244 precisa de maior aprofundamento a fim de que não abra margem para atitudes abertamente discriminatórias e arbitrárias. Por outro lado, a interpretação dos tribunais não pode deixar o agente da lei de “mãos amarradas” no exercício de seu dever. As ações de policiamento ostensivo têm por finalidade inibir a prática criminosa por meio de uma atuação preventiva, exigindo do agente da lei decisões rápidas. Uma burocratização excessiva dessa atividade não é desejável.

Conceitos invocados por um relevante estudo da área são as ideias de “atitude fundamentadamente suspeita”, e “suspeita perceptiva objetiva”, o que remete a ações concretas do suspeito a serem observadas pelo agente policial. Tais características remetem a ações concretas do indivíduo, e não necessariamente sua condição ou aparência. Por exemplo, situações nas quais o sujeito, ao ver os policiais, vira o rosto, apressa o passo ou evade o local. Policiais experientes costumam ser particularmente hábeis em captar sinais de nervosismo. Posturas, atitudes e indícios do porte de certos objetos, se devidamente observados e registrados pela autoridade policial, podem vir a servir de fundamento a uma abordagem preventiva lícita.

Os julgados trazidos pelo STJ a fim de proteger a população mais vulnerável de eventuais abusos e excessos cometidos pelas autoridades policiais é um avanço salutar. Mas há muito o que caminhar na definição de critérios claros e objetivos que garantam ao país um sistema de segurança pública que, ao mesmo tempo, respeite os direitos e garantias dos cidadãos, mas seja também eficaz no combate à criminalidade.

* Philip Antonioli, criminalista, sócio fundador do escritório Campos & Antonioli Advogados Associados (1993)

Leia também: Faca de dois gumes: Câmara aprova PL que torna pedofilia crime hediondo

Siga nosso Instagram: @campos.antonioliadv