Prisão domiciliar para mães e grávidas
No Brasil, quase metade das mulheres em cárcere que teriam direito a receber o benefício da prisão domiciliar – concedido a gestantes e a mães de crianças de até 12 anos presas preventivamente – segue em regime fechado. A garantia não é privilégio ou condescendência com a criminalidade, mas o resguardo do direito básico dos filhos ao contato com a mãe, explica a criminalista Carolina Carvalho de Oliveira, sócia do Campos e Antonioli Advogados Associados e integrante do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), em artigo publicado pelo Estadão.
No texto, ela conta que, em fevereiro de 2018, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou um habeas corpus coletivo – movido pelo “Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu) “diante de violações de direitos que atingem a coletividade” – em favor de todas as mulheres presas grávidas e mães de crianças com até 12 anos de idade, e de forma extensiva a adolescentes do sistema socioeducativo em situação semelhante e a mulheres que tenham sob custódia pessoas com deficiência.
A criminalista lembra que a entidade foi ao STF depois de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) conceder HC para a mulher do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, Adriana Anselmo, para o cumprimento de prisão domiciliar após condenação em desdobramentos da Operação Lava Jato, por ter filhos de 11 e 15 anos. A fundamentação da decisão, segundo Carolina, foi o Marco Legal da Primeira Infância, de 2016.
Posteriormente foi aprovado no Congresso Nacional projeto da senadora Simone Tebet (MDB-MS) que resultou na Lei 13.769/2018. “E esse HC coletivo foi expressamente mencionado para justificar a mudança legislativa que culminou na hipótese taxativa de prisão domiciliar à mulher gestante ou responsável por criança/pessoa com deficiência, que não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça”, escreveu a advogada.
Para a criminalista, o CADHu atuou corretamente ao “pleitear a extensão do benefício, inclusive diante da precariedade das instalações prisionais, com tratamento degradante”. Todavia, ela ressalva que o caso traz à luz o problema em seu todo: “o cárcere desumano e cruel, que viola as necessidades humanas básicas, é um problema de caráter nacional, sem distinção de sexo e condição social. Afeta o indivíduo encarcerado e as mulheres de uma forma geral, grávida, com filho na primeira infância ou não”.
Carolina defende a necessidade de se enfrentar o problema do sistema penitenciário em sua totalidade “para que a situação desumana seja extirpada de maneira irrestrita, pois o objetivo ideológico do cárcere não passa por violar as condições da dignidade, como tem acontecido há anos”.
Medida não cumprida
Um estudo produzido pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) em 2021 mostrou que a lei não vem sendo respeitada. Na época, 2.493 mulheres cumprindo pena em presídios brasileiros teriam direito à prisão domiciliar, mas 43,8% permaneciam em regime fechado. Os dados são relativos ao intervalo entre dezembro de 2018 e dezembro de 2019 – e foram coletados em nove estados que atenderam a solicitações enviadas às secretarias estaduais de Administração Penitenciária por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).Das 27 unidades da federação, apenas os estados do Amapá, Amazonas, Mato Grosso do Sul, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, São Paulo e Sergipe responderam aos pedidos. Destes, somente Amapá e Amazonas cumpriram 100% a regra que determina a prisão domiciliar para essas mulheres. Já Paraná e Sergipe não concederam o direito a nenhuma mulher em nenhuma de suas unidades prisionais.
Situação prisional
Quando apresentou o seu voto no julgamento que decidiu pela liberdade das mães e gestantes em prisão preventiva, o ministro do STF Ricardo Lewandowski citou dados do Levantamento de Informações Penitenciárias (Infopen), do Ministério da Justiça, que ilustravam bem o quadro verificado naquele momento.
Entre os 1.478 estabelecimentos penais do país, apenas 34% tinham cela ou dormitório adequado para gestantes. Somente 32% das unidades femininas e 3% das unidades mistas tinham berçários ou centros de referência materno-infantil. Já as creches estavam presentes em apenas 5% dos estabelecimentos.
Marco Legal da Primeira Infância
O Marco Legal da Primeira Infância foi instituído por meio da Lei nº 13.257, de 8 de março de 2016, e apresenta princípios e diretrizes para a formulação e a implementação de políticas públicas para a primeira infância em atenção à especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do ser humano.
O diploma legal estabelece que as políticas públicas voltadas ao atendimento dos direitos da criança na primeira infância serão elaboradas e executadas de forma a:
- atender ao interesse superior da criança e à sua condição de sujeito de direitos e de cidadã;
- incluir a participação da criança na definição das ações que lhe digam respeito, em conformidade com suas características etárias e de desenvolvimento;
- respeitar a individualidade e os ritmos de desenvolvimento das crianças e valorizar a diversidade da infância brasileira, assim como as diferenças entre as crianças em seus contextos sociais e culturais;
- reduzir as desigualdades no acesso aos bens e serviços que atendam aos direitos da criança na primeira infância, priorizando o investimento público na promoção da justiça social, da equidade e da inclusão sem discriminação da criança;
- articular as dimensões ética, humanista e política da criança cidadã com as evidências científicas e a prática profissional no atendimento da primeira infância;
- adotar abordagem participativa, envolvendo a sociedade, por meio de suas organizações representativas, os profissionais, os pais e as crianças, no aprimoramento da qualidade das ações e na garantia da oferta dos serviços;
- articular as ações setoriais com vistas ao atendimento integral e integrado;
- descentralizar as ações entre os entes da Federação;
- promover a formação da cultura de proteção e promoção da criança, com apoio dos meios de comunicação social.
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