Antecipação na comunicação de crimes de cartel ao Ministério Público reduz o poder do Cade

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Criminalista Philip Antonioli analisa como o Cade perde poder com a antecipação na comunicação de crimes de cartel ao Ministério Público

 

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) estabeleceu, no mês passado, por meio da Portaria Normativa nº 21/2022, a obrigatoriedade de a Superintendência-Geral encaminhar ao Ministério Público (MP) competente as notas técnicas que contenham sugestão de condenação de agentes econômicos pela prática de cartel.

De acordo com o texto, “as notas técnicas poderão ser enviadas diretamente ao membro do Ministério Público que já tenha atuado nos casos em que o processo em andamento na Superintendência-Geral possua participação do parquet em Acordos de Leniência ou ainda em atuação conjunta em investigações”.

A medida, oriunda da “Estratégia Nacional de Combate a Cartéis” – lançada em agosto pelo Ministério Público Federal e pelo Cade com o propósito de aprimorar a efetividade da persecução criminal –, na realidade, reduz o poder do órgão.

Para o criminalista Philip Antonioli, sócio do escritório Campos e Antonioli Advogados Associados, especializado em Direito Penal Econômico, o Cade, apesar de “muito eficiente” na análise e no julgamento de atos de concentração, em relação a atos vinculados à análise de conduta, apresenta dificuldades “no que diz respeito à necessária celeridade – seja por falta de estrutura, seja por excesso de trabalho”.

De acordo com Antonioli, esse conjunto de elementos leva à morosidade no andamento de casos passíveis de alguma medida do Ministério Público do ponto de vista penal. Ele afirma que, diante de tal realidade, a saída encontrada pelo Cade de repassar ao MP, já em um primeiro momento da investigação – independentemente de uma análise técnica do ponto de vista administrativo –, processos que possam configurar também infração penal, é lamentável.

“Lamentavelmente temos essa situação. É lamentável porque o Cade dispõe de um corpo técnico altamente qualificado; e o ideal seria que essa equipe pudesse cumprir sua missão a contento, empenhar suas competências na análise dos casos, do ponto de vista administrativo, antes de enviá-los ao Ministério Público”, destaca o criminalista.

Com a nova normatização, as notas técnicas serão despachadas diretamente ao Ministério Público pela Superintendência-Geral. Antes, os casos passavam por um primeiro crivo do órgão e pela decisão condenatória do Tribunal do Cade.

Dados do Cade mostram que, na última década, foram instaurados 231 inquéritos administrativos para apurar denúncias de formação de cartel.

O que são cartéis e como operam?

Esquemas de colaboração e cooperação entre empresas que desejam dominar e monopolizar um determinado segmento do mercado, fixando preços e minorando a concorrência, cartéis são prejudiciais porque inflam os valores dos produtos ou serviços e cerceiam as ofertas aos consumidores, impossibilitando a obtenção de alternativas.

A Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo – tipificando o “acordo”, “convênio”, “ajuste” ou “aliança” entre empresas que vise definir artificialmente preços e quantidades vendidas ou produzidas. A legislação também veda o “controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo de empresas” e o” controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores”. A pena prevista para o crime é de dois a cinco anos de reclusão e multa.

Cartéis, trustes e holdings

Importante não confundir cartéis com trustes ou holdings. Aqueles caracterizam-se pela união ou fusão entre empresas de determinado segmento ou distintas searas econômicas, de modo a construir uma única empresa ou grupo, resultando em monopólio. Tal mecanismo é bastante empregado por companhias preocupadas com concorrentes com potencial de crescimento.

As holdings, por outro lado, compreendem um grupo de várias empresas capitaneadas por um núcleo gerencial, que administra a totalidade ou parte de suas ações. As as holdings podem compor conglomerados integrados por diversas empresas – de áreas diferentes, inclusive.

Histórico

A punição aos cartéis no Brasil data do final da década de 90, quando o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) voltou-se contra o famoso “cartel do aço”. Na época, o Cade condenou a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Cosipa e a Usiminas ao pagamento de multa que ultrapassava R$ 50 milhões. O que se constatou, então, foi que o reajuste dos preços foi antecedido por um entendimento entre os operadores, que deveriam concorrer entre si.

Portaria Normativa Cade nº 21/2022

A Portaria Normativa Cade nº 21/2022 foi publicada em 18 de outubro último para disciplinar “a comunicação do Cade ao Ministério Público a respeito de Notas Técnicas que contenham sugestão de condenação de agentes econômicos pela prática de cartel”.

Conheça os artigos da proposição:

Art. 1º A Superintendência-Geral encaminhará ao Ministério Público competente as Notas Técnicas que contenham sugestão de condenação de agentes econômicos pela prática de cartel.

Parágrafo único. As Notas Técnicas poderão ser encaminhadas diretamente ao Membro do Ministério Público que já tenha atuado nos casos em que o processo em andamento na Superintendência-Geral possua participação do parquet em Acordos de Leniência ou ainda em atuação conjunta em investigações.

Art. 2º O representante do Ministério Público Federal junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica será comunicado do envio da Nota Técnica determinado no artigo anterior.

Art. 3º As Notas Técnicas serão encaminhadas em suas versões públicas, conforme o disposto na Resolução Cade nº 21/2018.

Art. 4º Esta Portaria Normativa entra em vigor na data de sua publicação.

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