Crime contra a organização do trabalho, assédio eleitoral cresce em 2022

assédio eleitoral

A comparação entre o pleito atual e o mesmo período de 2018 revela um salto no total de ocorrências e no número de empresas denunciadas por assédio eleitoral 

A polarização nas eleições vem gerando uma onda de denúncias de assédio eleitoral: em todo o país, 1.633 notificações de assédio eleitoral foram recebidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) até o dia 25 de outubro – montante oito vezes maior do que as 212 ocorrências da eleição de 2018. Naquele ano, houve 98 empresas denunciadas por assédio eleitoral. Em 2022, o número já chegou a 1284. 

Para o advogado Douglas Antonioli, sócio do Campos e Antonioli Advogados Associados, escritório especializado em Direito Penal Econômico, os inúmeros registros de assédio eleitoral divulgados diariamente pela mídia merecem uma análise à luz das legislações trabalhista e penal: 

“O que temos lido fartamente no noticiário ultrapassa a seara eleitoral e tangencia o Direito Penal, sob a forma de crime contra a organização do trabalho, previsto no artigo 197 do Código Penal. É fundamental que o Ministério Público do Trabalho esteja atento para coibir tais práticas, que, acima de tudo, violam as liberdades individuais dos cidadãos, asseguradas na Constituição Federal”, afirma o criminalista.

De acordo com ele, por estarmos na iminência do 2º turno das eleições, multiplicam-se os episódios de ameaças aos direitos fundamentais dos cidadãos, às liberdades e garantias individuais, sob todas as formas. “O exercício do voto, direto e secreto, é prerrogativa constitucional fundamental, e cada um, sem distinção, deve exercê-lo conforme a sua consciência política”.

Caso Recente

Nas dependências de um frigorífico da cidade de Betim, em Minas Gerais, funcionários gravaram uma reunião convocada pelos donos da empresa para receber o deputado Mauro Lopes (PP-MG) na qual tiveram que vestir camisa amarela do candidato à reeleição Jair Bolsonaro. O evento foi dominado por advertências sobre um possível fechamento da firma e de templos religiosos. Já na hipótese da reeleição do presidente da República, os patrões chegaram a prometer a distribuição de pernis.

Para Douglas Antonioli, a situação ilustra como o assédio eleitoral interfere diretamente no exercício da livre escolha de voto do cidadão. As notícias que circulam no país, segundo ele, denotam como o superior hierárquico, por diversas formas, tem tentado direcionar a opção de seus subordinados em favor de sua própria inclinação política – e em detrimento da vontade genuína dos colaboradores. 

“O superior hierárquico oferece vantagens das mais variadas, como alimentação, transporte e até pagamento em dinheiro pela opção de voto de seu subordinado. É inconteste que, se comprovada, essa conduta caracteriza crime nos termos dos artigos 299 e 302 do Código Eleitoral. E, indo além, é preciso que o Ministério Público do Trabalho esteja atento – para analisar, à luz da legislação trabalhista e penal, se não se configura também, para casos de assédio eleitoral, crime contra as relações do trabalho, conforme previsto no Código Penal, artigo 197”, enfatiza o advogado.

Para a caracterização do delito, prossegue, “seria necessário – e, aí, a missão é do Ministério Público do Trabalho – comprovar também o cerceamento à liberdade individual do trabalhador, na medida em que o empregador tem ascendência hierárquica sobre o empregado, nos termos do artigo 2º da CLT”.

Ao julgar a questão, o juiz Fernando Rotondo Rocha ordenou a retratação dos responsáveis, assegurando a liberdade, sem nenhuma forma de represália. A empresa terá que prover a participação de todos os funcionários nas eleições do próximo domingo, inclusive dos que estejam eventualmente desempenhando jornada de 12 x 36 horas. Se houver descumprimento, os empreendimentos receberão multas diárias de R$ 20 mil, mais R$ 10 mil por funcionário envolvido, com limite de R$1 milhão.

Além disso, por meio de seu portal, redes sociais, grupos de whatsapp e em seus quadros de aviso, a companhia terá que veicular o seguinte texto: “[A empresa] vem a público afirmar o direito de seus empregados livremente escolherem seus candidatos nas eleições, independentemente do partido ou ideologia política, garantindo a todos os seus funcionários que não serão adotadas medidas de caráter retaliatório, como a perda de empregos, caso votem em candidatos diversos daqueles que sejam da preferência do(s) proprietário(s) da empresa, tampouco será realizada campanha pró ou contra determinado candidato, coagindo, intimidando, admoestando e/ou influenciando o voto dos empregados com abuso de poder diretivo”.

Artigo 197 do Código Penal

O artigo 197 do Código Penal, segundo Douglas Antonioli, visa resguardar a livre escolha do trabalhador e a liberdade laboral. Ele lembra que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em voto do ministro Og Fernandes, entendeu que, para a caracterização do crime contra a organização do trabalho, basta o constrangimento e o cerceamento à liberdade individual. “A grave ameaça, em linha com o inciso I do artigo 197 do Código Penal, seria a demissão, perda do emprego”.

O criminalista sublinha, ainda, que o direcionamento do empregador em relação às ações do empregado deve ser restrito à relação de prestação de serviço que os une. “Nada além disso! Tentar interferir na vontade livre e consciente do trabalhador no que diz respeito ao seu voto extrapola os limites da ascendência do empregador sobre o trabalhador, consoante com o descrito na CLT”.

Reação da Justiça

Em outro episódio emblemático, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 10ª Região concedeu uma decisão liminar para que empresários de setores vinculados à Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) não pratiquem assédio eleitoral. Em caso de desobediência, o tribunal fixou multa de R$10 mil em favor de cada empregado coagido.

A Ação Civil Pública havia sido movida pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e pela União Geral dos Trabalhadores (UGT), que pediram à corte que coibisse a prática – reiterada por ameaças de dispensa, fechamento de postos e, por outro lado, ofertas de incentivos. No despacho, o juiz Antonio Umberto de Souza Junior destacou que as empresas estão obrigadas a permitir franco acesso às entidades sindicais às dependências dos estabelecimentos para esclarecimentos a respeito do direito ao voto livre.

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