O Novo Cangaço: pânico e insegurança nas pequenas cidades

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Prática de banditismo utiliza extrema violência, alto poder bélico e faz referência aos cangaceiros personificados em Lampião

Bandos que aterrorizaram o sertão nordestino entre o final do século 19 e o início do século 20 servem de inspiração para a definição de um fenômeno atual: o “Novo Cangaço”, que faz, infelizmente, cada vez mais vítimas, reeditando, com recursos modernos, práticas do grupo de Lampião – o uso de força e violência para invadir e saquear, sobretudo localidades de poucos habitantes. 

“Quase um século depois, bandos de criminosos fortemente armados, que praticam crimes com uso de atos extremamente violentos e afrontam o poder público constituído, têm feito a sociedade brasileira reviver os tempos de Lampião”, escreveu a advogada criminalista Cida Silva, sócia do escritório Campos e Antonioli Advogados Associados, especializado em Direito Penal Econômico, em artigo publicado pelo Estadão. 

No texto, ela demonstrou como a prática conhecida como “Novo Cangaço” lança mão de facções armadas e organizadas para, por meio de ações previamente orquestradas, invadir, dominar e aterrorizar cidades de médio e pequeno porte – “com o objetivo de roubar agências bancárias principalmente”.

Segundo Cida Silva, os alvos são estabelecidos conforme o critério de prioridade para agências bancárias de municípios menores, as quais mantêm nos cofres altos volumes em numerário, sem falar na segurança mais vulnerável. “As grandes capitais não concentram, a um só tempo, ambos os atrativos – fatores que garantem maior facilidade para a atuação dos bandos fortemente armados.” 

De posse de verdadeiros arsenais, as quadrilhas contam com fuzis, metralhadoras de alto calibre, veículos blindados e explosivos, além de armamento de uso exclusivo do exército. “Essas organizações criminosas planejam detalhadamente o ‘modus operandi’ para roubar as Instituições Financeiras, contando com membros de facções criminosas. Organizadas, com hierarquia própria, as quadrilhas utilizam até mesmo armamento de guerra”, sublinhou Cida Silva.

Casos recentes

Por meio da operação Dinamite 2, a Polícia Federal, em parceria com a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, prendeu, no dia 1º de novembro, um suposto integrante de um grupo que explodiu agências bancárias no Estado do Rio de Janeiro em ao menos cinco ocasiões. 

No dia 7 do mesmo mês, bandidos explodiram três instituições bancárias em Muritiba – cidade no Recôncavo Baiano a cerca de 140 km de Salvador. Foram atacadas agências da Caixa Econômica, Bradesco e Banco do Brasil. O caso aconteceu no intervalo de um mês decorrente de outras explosões, contra agências dos mesmos bancos, no município de Irará, a 85 km de Muritiba. 

Crescimento

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado em junho deste ano pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), indicam que os roubos a instituições financeiras – que incluem roubo a banco, caixa eletrônico e carro forte – cresceram 11% no ano passado. 

“Com a intensificação da prática, o legislador viu a necessidade de criar um tipo penal específico, capaz de combater de forma mais eficiente esse tipo de crime”, enfatizou Cida Silva. No caso, a resposta foi o projeto de lei 5365/20, já aprovado na Câmara dos Deputados e que agora tramita no Senado Federal. O PL visa agravar as penas para as organizações envolvidas nessa modalidade de crime, que inclui terrorismo, alto poder bélico e violência extremada.

O projeto, de autoria dos deputados Sanderson (PSL-RS), Major Fabiana (PSL-RJ) e Aluísio Mendes (PSC-MA), prevê, inicialmente, pena de reclusão de 15 a 30 anos com possibilidade de agravamento. Para situações resultantes em lesão corporal grave, a pena mínima é de 20 anos de reclusão, e, se a ação culminar em óbito, a condenação poderá chegar a 40 anos.

Para Cida Silva, é fundamental o fortalecimento do respaldo jurídico e o endurecimento das condenações – “contra essas organizações criminosas, que desdenham do policiamento local, aterrorizando as pequenas cidades, os cidadãos, destruindo o patrimônio público e privado, incendiando o que lhes passa pela frente e aumentando o sentimento de insegurança de toda a sociedade”. 

Ela pondera, no entanto, que não basta a inovação nos marcos jurídicos nacionais: “faz-se necessário investir em trabalho de inteligência de segurança, monitoramento, preparo psíquico e físico dos agentes públicos de segurança para esse tipo de enfrentamento, que prima pela intimidação e pela violência”. 

Segundo a sócia do Campos e Antonioli, cabe ao Estado, por meio de suas administrações estaduais e municipais, em consonância com a União, trabalhar no desenvolvimento de políticas públicas e protocolos de reação à altura da força criminosa desses bandos. “O Poder do Estado precisa ser efetivo. E, mais do que isso, mostrar que está pronto para esse enfrentamento, com o respaldo da lei e com preparo de sua força de segurança ostensiva.” 

História do Cangaço

O Cangaço emergiu como um fenômeno de banditismo, sucedido no nordeste brasileiro, em consequência da insatisfação com a miséria e as precárias condições de vida impostas à população pelos grandes proprietários rurais – que concentravam o poder político e econômico. 

Os cangaceiros eram nômades armados que vagavam pelo sertão, cruzando Estados e atacando cidades, onde praticavam roubos, homicídios e abusos de variada natureza. O termo “Cangaço” deriva da palavra “canga”: utensílio de madeira instalada na cabeça do gado para transporte. Eles eram exímios conhecedores das plantas, da geografia e das condições da caatinga – e, por muito tempo, fugiram das forças policiais.

Quem foi Lampião

Batizado como Virgulino Ferreira da Silva, Lampião foi a mais notável liderança do Cangaço, tendo praticado crimes e infrações diversas entre 1922 e 1938 – quando foi executado em uma emboscada em Sergipe. 

Original de Serra Talhada, em Pernambuco, a família de Lampião possuía condição financeira razoável – acredita-se –, o que lhe possibilitou a alfabetização. A data exata de nascimento é desconhecida, mas seu despontar no Cangaço se deu em 1921, no “bando de Sinhô Pereira”, do qual se tornou chefe rapidamente. Em 1930 se juntou com Maria Bonita, com quem teve uma filha antes de morrer.

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