Quando o perigo bate à porta: a responsabilidade do banco no “golpe do motoboy”

golpe do motoboy

Cada vez mais pessoas estão caindo no “golpe do motoboy”, mas a Justiça já prevê a responsabilidade do banco

O drama se inicia quando um criminoso liga para a vítima, fazendo-se passar por funcionário do banco, e, assim, obtém senha e outros dados sigilosos. Na sequência, um motoboy retira o cartão bancário na residência do correntista, sob o pretexto de que este será devolvido à instituição financeira.

Chega-se, então, ao capítulo final, o objetivo de toda a armação: com o cartão e a senha em mãos, os bandidos realizam transações fraudulentas até que a conta seja bloqueada pelo banco – o que não significa que eles serão descobertos, mas apenas que a instituição financeira tomou ciência do golpe e agiu para evitar maiores prejuízos aos correntistas.

Eis o famoso “golpe do motoboy” – amplamente conhecido pelos clientes bancários – e que continua a colecionar vítimas: em sua maioria, pessoas idosas, alvo principal dos criminosos por serem mais vulneráveis.

Para se ter uma ideia do tamanho do problema, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) chegou a publicar um “alerta” devido à escalada nos registros do golpe, que subiu 340% no primeiro bimestre de 2021, segundo a instituição. O cenário recente de pandemia e isolamento social ajudou na expansão das tentativas de fraude – que nem sempre ocorrem por meio de ligações, podendo ser orquestradas por mensagem de texto, via aplicativos ou por e-mail.

O criminalista Sócrates Suares, sócio do Campos e Antonioli Advogados Associados, escritório especializado em Direito Penal Econômico, adverte que esse tipo de esquema, por padrão, costuma mirar pessoas com pouca intimidade com o ambiente digital e o uso de aplicativos de “internet banking”.

“A ação do cliente para que o golpe ocorra, ao não seguir os procedimentos recomendados pelo banco – como os de jamais ceder a guarda dos cartões ou dados a terceiros – embasam as decisões judiciais existentes que afastam a responsabilidade dos bancos por atribuir culpa exclusiva à vítima”, explica o advogado.

Mas nem tudo está definitivamente perdido para o cliente, visto que o tema ainda não foi pacificado pela Justiça – e cresce a aplicação, pelos Tribunais, do entendimento de que a instituição pode ser responsabilizada pelo “golpe do motoboy” nas hipóteses em que há falha de segurança na prestação do serviço bancário.

A 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), corte competente para julgar recursos provenientes da Justiça Federal dos Estados de Mato Grosso do Sul e de São Paulo, em recente decisão favorável a cliente idoso, vítima do “golpe do motoboy”, condenou o banco a devolver R$ 45 mil ao correntista.

A decisão colegiada reformou a sentença de primeira instância – segundo a qual o banco não poderia ser responsabilizado, porque, além de as transações terem sido efetuadas antes de a vítima cancelar o cartão, esta não teria seguido os procedimentos recomendados pela instituição financeira.

“Para a 1ª Turma do TRF-3, no entanto, o banco deve, sim, ser responsabilizado, pois não teve êxito em demonstrar que a movimentação indevida foi realizada pelo cliente, posto que cabe aos bancos garantir a segurança e a confiabilidade do sistema, além de a atividade bancária estar sujeita ao Código de Defesa do Consumidor, que prevê a reparação de danos causados por defeitos na prestação de serviços, independentemente da existência de culpa”, destaca Suares.

Enunciado 13

Com o objetivo de uniformizar os entendimentos jurisprudenciais sobre o tema, a Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) aprovou o Enunciado 13 – que firmou o entendimento de que, no “golpe do motoboy”, a instituição financeira responde por danos materiais quando evidenciada a falha na prestação de serviços ou na segurança, ou, ainda, nas situações em que houver desrespeito ao perfil do correntista.

O texto também prevê a consideração das Súmulas nº 297 (aplicação do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras) e nº 479 (as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias) do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Sócrates Suares enfatiza que, para as vítimas do “golpe do motoboy” – em especial, as pessoas idosas, perfil preferencial para o ataque dos criminosos –, “é de suma relevância o alinhamento da decisão colegiada da 1ª Turma do TRF-3 com o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, porquanto preserva os direitos dos usuários da rede bancária, principalmente pelo reconhecimento da responsabilidade objetiva do banco e do direito da vítima ao ressarcimento de seu prejuízo”.

Assim, pontua o criminalista, ainda que haja decisões judiciais desfavoráveis ao cliente, o entendimento convergente das cortes sinaliza que a Justiça tem se mostrado sensível quanto à responsabilidade dos bancos – “no sentido de buscar meios de precaver os clientes e criar cada vez mais mecanismos de segurança para a realização das transações bancárias”.

Desvio milionário

Outro exemplo recente foi a operação da Polícia Civil do Distrito Federal que desbaratou, no final de agosto, uma quadrilha suspeita de aplicar o “golpe do motoboy”. Os agentes cumpriram mandados de prisão preventiva e de busca e apreensão em cidades do Rio de Janeiro.

Os membros do grupo exibiam, nas redes sociais, uma vida de luxo, com fotos de viagens internacionais e de hotéis caros. Ao todo, o esquema teria movimentado R$ 1,8 milhão.

As apurações tiveram início depois que uma idosa, de 82 anos, moradora de Brasília, perdeu R$ 15 mil. Os investigadores estimam que os acusados tenham feito pelo menos quatro vítimas no Distrito Federal entre 25 e 29 de julho.

Melhor prevenir

Esse tipo de esquema costuma atuar com uma técnica conhecida como engenharia social, que – por meio do medo e do sentimento de urgência – induz as vítimas a abrirem mão de medidas básicas de segurança.

Importante lembrar que nenhuma instituição bancária ou financeira solicitará informações confidenciais ou a entrega do cartão. Caso desconfie de uma ligação, a recomendação é informar que não irá fornecer nenhum dado e que não deseja a visita do motoboy.

Assim que possível, entre em contato com o seu banco, por meio de um dos canais oficiais, e informe a situação, pedindo orientações. Caso precise se desfazer de um cartão, certifique-se de cortar o chip ao meio, visando interromper seu funcionamento eletrônico.

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