Supremo Tribunal Federal decide que, para crimes tributários, o acusado que parcelar ou pagar dívida com o Fisco atenua e até se livra da pena
O STF acaba de validar, em votação unânime, a constitucionalidade de partes das Leis n° 11.941/2009 e 10.684/2003. Os dispositivos apreciados dispõem sobre o abrandamento ou até dispensa das penas imputadas para a prática de sonegação fiscal, no caso de pagamento integral dos valores devidos.
Segundo o entendimento do STF, os acusados que parcelarem seu débito com o Fisco têm o benefício de penas mais brandas. Enquanto isso, os que quitarem a dívida podem ter a pena por crime tributário totalmente extinta.
O criminalista Philip Antonioli, sócio-fundador do escritório de advocacia Campos & Antonioli, especializado em Direito Penal Econômico, classifica essa decisão como “muito ruim”. Segundo ele, sempre houve boa vontade do legislador em relação aos devedores. E o Supremo Tribunal Federal captou essa intenção do Legislativo, pacificando o entendimento, em votação realizada no plenário virtual da corte.
Ação de inconstitucionalidade foi movida pela PGR
Em 2009, a Procuradoria Geral da República, na época sob chefia de Deborah Duprat, foi a responsável por mover a ação de inconstitucionalidade. De acordo com a PGR, esse abrandamento das penas por crime fiscal reforça o entendimento de que não é necessário cumprir com as obrigações tributárias assídua e adequadamente.
Dessa forma, segundo a Procuradoria, há o incentivo ao não pagamento dos impostos. O que causa prejuízos enormes à população, uma vez que os recursos obtidos por esses pagamentos são usados em serviços públicos essenciais. Como saúde, educação, segurança etc.
O criminalista Philip Antonioli concorda. De acordo com ele, a decisão do STF é “muito ruim”, primeiramente, porque deixa claro que o tipo penal instituído em decorrência de dívidas com o Fisco tinha propósito meramente de arrecadação para os cofres do governo.
Argumentos do relator sobre a atenuação das penas
O relator da matéria, ministro Nunes Marques, argumentou em seu voto que a reparação do crime tributário por meio de pagamento fomenta a arrecadação e preserva empregos.
Segundo ele, o entendimento de que não haverá penas duras para quem quitar os débitos com a Receita estimula a reparação ao dano erário.
De acordo com o magistrado, a suspensão das punições em virtude do parcelamento das dívidas fiscais se mostra em conformidade com a proteção do bem jurídico, a qual está sob tutela das normas penais incriminadoras.
Nunes Marques argumentou, ainda, que o restauro do dano também é uma meta do Direito Penal. Afinal, segundo ele, mais do que sofrer punições pelos crimes, o responsável deve reparar os erros, se tiver chance para fazê-lo.
Desse modo, a extinção das penas mediante pagamento dos tributos contempla o princípio de deixar as sanções penais em ultima ratio.
Vale ressaltar que a pena por sonegação de impostos e descumprimento das obrigações fiscais, de acordo com o Artigo 1° da Lei 4.729/65, é de 2 a 5 anos de reclusão.
Argumentos contidos na ação da PGR
À época em que moveu a ação que contesta a constitucionalidade da Lei 11.941/09, a então procuradora-geral da República, Deborah Duprat, questionou os artigos 67, 68 e 69 da referida lei.
A saber, por meio desse dispositivo, criou-se o chamado Refis da crise, que mudou a legislação tributária federal. No que se refere ao parcelamento ordinário de débitos tributários, além de conceder remissão em casos específicos e instituir o regime tributário de transição.
Assim, a PGR afirmou que, sem a ameaça de coerção penal, a arrecadação pode sofrer dano grave. Visto que passa a ser um fato sabido que nada vai acontecer se houver o atraso e até mesmo o não pagamento dos tributos devidos.
Há uma dupla balança para a aplicação das penas no Brasil?
Ainda de acordo com a autora da ação, Deborah Duprat, a sensação de que há impunidade para quem erra pode causar um efeito pedagógico reverso nos contribuintes. Ou seja, quem costuma cumprir corretamente com suas obrigações pode se sentir desmotivado em fazê-lo.
O criminalista Philip Antonioli questiona outro aspecto da decisão firmada pelo STF: por que o entendimento da corte se limita ao âmbito tributário e fiscal? “Por que, então, a decisão não alcança todos os crimes patrimoniais, desde que praticados sem uso de violência, nos quais houve arrependimento eficaz com a devolução do bem furtado? Por que não há extinção do processo penal para um cidadão que furtou uma bicicleta e devolveu o bem, por exemplo? Ou um réu que praticou algum tipo de estelionato e, depois, por ‘n’ motivos, devolveu o montante que resultou de sua conduta ilícita?”
Na ação, a PGR afirma que, se ainda há a persistência dos delitos contra a ordem tributária ainda hoje, é porque o ambiente que levou à sua criação não sofreu alterações. Dessa forma, somente o temor da pena permite a arrecadação de tributos e contribuições previdenciárias. Que, por sua vez, “possibilita maior distribuição de renda e justiça social”.
Ainda segundo registrou Duprat em sua ação, os dispositivos cuja constitucionalidade é questionada reafirmam a sensação da dupla balança da Justiça. Ou seja, “penaliza sistematicamente os delitos dos pobres e se mostra complacente com os delitos dos ricos”.
Novamente Philip Antonioli concorda com o entendimento. Diz ele: “Como princípio para a Justiça do país, essa decisão foi péssima. Afinal, ou temos uma regra geral para todos os crimes patrimoniais sem uso de violência, ou não deveríamos ter qualquer um deles – no caso em questão, o crime tributário”.
Não obstante esses pontos, o voto de Nunes Marques pelo abrandamento ou extinção das penas por crimes de matéria tributária mediante pagamento dos valores foi acompanhado pelos demais ministros do STF.
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