Câmara Municipal de Porto Alegre aprovou projeto de lei escrito pelo Chat GPT; vereadores e prefeito, que sancionou a lei, desconheciam o uso da ferramenta
Uma lei redigida pelo Chat GPT (ferramenta de inteligência artificial da Open AI) foi aprovada por unanimidade pela Câmara Municipal de Porto Alegre (RS).
O mais interessante é que o prefeito e os vereadores, que aprovaram o PL, só ficaram sabendo da “autoria” depois da aprovação e sanção. Isso porque seu idealizador, o vereador Ramiro Rosário, só expôs essa informação depois de a lei já estar em vigor.
A lei em questão trata da isenção dos moradores da cidade de cobrança por substituição de hidrômetro roubado.
O criminalista Philip Antonioli, sócio-fundador do escritório Campos & Antonioli, explica que o uso da inteligência artificial nas mais diversas atividades de nossa sociedade é uma realidade e será cada vez maior. Assim, continua ele, “no caso em concreto, da lei elaborada com base em IA, ocorreu no âmbito da atividade parlamentar, como já acontece com a advocacia, a engenharia ou o jornalismo. O que se tem, nesse exemplo de Porto Alegre, é que, em vez de dispor do suporte de sua equipe de assessores, o vereador autor da proposta usou uma máquina”.
Comandos dados à Inteligência Artificial
O vereador Ramiro Rosário explicou que deu o seguinte prompt ao Chat Gpt para a elaboração do Projeto de Lei:
“Elabore uma lei municipal para a cidade de Porto Alegre, com origem legislativa e não do executivo, que verse sobre a proibição de cobrança do proprietário do imóvel o pagamento de novo relógio de medição de água pelo Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE) quando este for furtado”.
Dessa forma, a ferramenta escreveu 8 artigos e uma justificativa, as quais o propositor enviou à Câmara sem nenhuma modificação. Então, a Seção de Redação Legislativa fez correções e adequações para a linguagem formal e típica. Além disso, reduziu-se o texto a 2 artigos e alguns incisos.
Em seguida, a proposta foi para as comissões e para votação no plenário da Câmara, recebendo aprovação nas duas instâncias.
Legalidade
Segundo o criminalista Philip Antonioli, a ação praticada pelo vereador Ramiro Rosário não é ilegal. De acordo com o advogado, a menos que essa utilização venha a receber regulação, trata-se de uma prática absolutamente legal, na medida em que ela está dentro da legislação vigente em nosso país.
O vereador idealizador da proposta publicou um vídeo em suas redes sociais. Assim, ele defendeu que a tecnologia serve para otimizar o trabalho e reduzir custos, e na política não é diferente.
Inteligência Artificial e a qualidade da legislação
É quase um consenso geral o fato de que, ao usar Inteligência Artificial para determinados processos operacionais nas mais diversas áreas, reduz-se o risco de erros humanos. Sendo assim, isso nos faz pensar se algo tão importante quanto o texto de um projeto de lei escrito por uma máquina seria melhor que um escrito pelo homem.
No caso em questão, o vereador Ramiro Rosário conta que o Chat GPT chegou a sugerir que o cidadão que tivesse seu hidrômetro furtado ficasse isento de pagar a fatura de água até a substituição.
Sobre a hipótese da infalibilidade da inteligência artificial, o criminalista Philip Antonioli discorda:
“Como regra, a justificativa formal para o uso de IA é garantir mais qualidade e evitar falhas humanas. No entanto, a verdadeira razão para lançar mão desse recurso é economizar, isso em todos os segmentos que já utilizam ou pretendem utilizar a ferramenta. Sobre o padrão de qualidade, até pode ser que alcance um nível superior ao que se obtém com mão de obra humana. Mas não se pode tomar o que é produzido pela máquina como infalível, blindado de erros ou inverdades. A máquina é construída pelo homem, e, como o homem, traz em seu DNA a falibilidade. Isso nada vai mudar. A máquina é falível e, sim, também erra. Não existe o risco zero de erro, nem para o homem nem para a máquina.”
O presidente da Câmara de Porto Alegre, Hamilton Sossmeier, afirmou em entrevista ao G1 que o projeto recebeu aprovação porque não foram encontrados impeditivos para que o fosse. Porém, ele argumentou que usar inteligência artificial para elaborar textos de PLs é “perigoso”. Afinal, segundo ele, ainda não há embasamento jurídico para liberar ou coibir tal prática.
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