O registro de sons ou imagens com suporte e sob orientação do Ministério Público requer autorização da Justiça, sob pena de tornar ilícita prova obtida
A 6ª turma do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) acaba de decidir por anular as gravações ambientais feitas sem o conhecimento dos interlocutores como prova criminal. O colegiado julgou como ilícita a colheita de provas de áudio feitas por terceiros sob orientação do Ministério Público.
O caso em questão abriu precedentes para que outras situações em que o MP utiliza captação de conversas em áudio e vídeo, sem um mandado judicial, também sejam anulados.
Em seu voto, o ministro Sebastião Reis, argumentou que, diferentemente de outros casos em que a gravação foi feita pela vítima, nesse foi uma terceira pessoa quem fez a coleta dos áudios. Portanto, de acordo com ele, a pessoa que gravou agiu como uma espécie de “agente infiltrado” do MP. Dessa forma, seria necessário seguir as normas existentes à época quanto a essa prática, o que não aconteceu.
O criminalista Douglas Antonioli, sócio-fundador do escritório Campos & Antonioli e especialista em Direito Penal Econômico, explica a diferença:
“É lícita, como meio de prova, a gravação de uma conversa entre duas pessoas por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro. Quando o intuito do registro é salvaguardar o direito de defesa daquele que fez a gravação.
Entretanto, se uma terceira pessoa grava uma conversa sem autorização judicial, essa gravação é ilícita, mesmo se o objetivo do registro for uma defesa processual”.
Caso julgado pelo STJ já vinha de negativa em instâncias anteriores
A saber, o caso em questão se trata de um processo por peculato e organização criminosa. Os réus, todos servidores públicos, foram denunciados pelo MP de Goiás. No entanto, um dos participantes do esquema se apresentou ao Ministério Público daquele estado e, orientado pela instituição, gravou conversas incriminadoras do grupo.
Em sua defesa, os réus alegaram que tais gravações seriam ilícitas, uma vez que foram feitas sem um mandado judicial. Portanto, segundo eles, todo o caso deveria ser anulado, já que se baseava quase que exclusivamente nesses áudios.
Nas instâncias anteriores, o pedido havia sido negado. No entanto, a irresignação dos réus levou o caso ao STJ.
Em decisão monocrática, o ministro Schietti Cruz indeferiu o recurso. De acordo com ele, não havia a necessidade do mandado, uma vez que a captação das gravações se deu em uma praça pública da cidade de Goiânia, onde “a tutela da intimidade e da vida privada é mitigada por se tratar de espaços em que qualquer pessoa pode ter acesso e, por isso, poderiam ter presenciado o acontecido, não havendo qualquer expectativa de proteção aos aludidos preceitos constitucionais.”
Ainda de acordo com o ministro Schietti Cruz, a análise dos fatos mostrou que não havia motivo para exigência de autorização judicial prévia para que a gravação ambiental, realizada por um dos interlocutores, seja utilizada como meio de prova no processo penal, exatamente como ocorreu na hipótese dos autos.
Suporte de MP em gravação somente com mandado
No STJ, o voto-vista do ministro Sebastião Reis foi favorável ao entendimento de que as gravações eram ilegítimas como meio de prova. Desse modo, S. Exa. argumentou que, ao prover o aparato de gravação e instruir o interlocutor sobre a conversa, o Ministério Público utilizou-o como se fosse um agente da Lei.
Sendo assim, faz-se necessária a observância do que determina a lei vigente para tal prática.
O criminalista Douglas Antonioli explica que essa regra está disposta no artigo 10º., alínea a, da Lei 9.296/1996. Segundo o dispositivo, é crime a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos para investigação ou instrução criminal sem autorização judicial, cuja pena chega a 4 anos, mais multa, além de eventual responsabilização sobre os prejuízos decorrentes da divulgação de mensagens privadas.
O ministro Sebastião Reis registrou também que é difícil estabelecer ao certo de quem partiu a iniciativa da gravação: se do servidor integrante do grupo ou do próprio órgão estatal.
Após o voto-vista, o ministro Antônio Saldanha Pinheiro e o desembargador adjunto Jesuíno Rissato o acompanharam.
Segundo Douglas Antonioli, não é algo absoluto a impossibilidade de usar gravações ambientais sem mandado como prova processual: “Em casos excepcionais, pode haver a legitimação da escuta se a parte autora da colheita da prova estiver amparada em decisão que lhe permite investigar um fato concreto”.
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