Tempo de medidas cautelares que restrinjam a liberdade do condenado deve ser abatido da pena cominada
A 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) acaba de decidir que a restrição à liberdade é pena. Isso porque o tribunal deu provimento a um agravo de execução penal para que o recolhimento do acusado, antes do trânsito em julgado, seja detraído da pena.
Em outras palavras, quem cumprir medida cautelar que de alguma forma restrinja seu direito de ir e vir terá esse tempo descontado de sua sentença, se houver condenação.
O criminalista Philip Antonioli, sócio-fundador do escritório Campos & Antonioli Advogados Associados, especialializado em Direito Penal Econômico, concorda com o entendimento do Tribunal paulista.
Segundo ele, “a liberdade é a regra”. Então, qualquer medida que faça com que isso mude, precisa ser contabilizada como restrição a esse direito. Restrição essa que é a essência da pena de reclusão.
TJ-SP decide que restrição à liberdade é pena
O agravo em questão teve apresentação feita pelos defensores legais William Cláudio de Oliveira Santos e Daiane Aparecida Rizotto. O caso foi de um agravante que, antes de receber a condenação, sofreu medidas cautelares análogas à reclusão. Isso porque o acusado ficou sob recolhimento noturno e, em seus dias de folga, no período entre 6 de fevereiro e 21 de outubro de 2013.
Sendo assim, a defesa pedia que esse tempo fosse contado como pena, reduzindo, então, o período que o condenado precisaria cumprir em regime fechado.
Desse modo, os advogados entraram com o pedido logo depois que o juízo do Departamento Estadual de Execução Criminal (Deecrim) de Santos indeferiu a solicitação de detração. Como argumento para tal indeferimento, o órgão afirmou que as medidas cautelares não comprometeram a liberdade do réu.
No entanto, o TJ-SP decidiu acatar o pedido de detração. O desembargador e relator do agravo, ministro Vico Mañas, argumentou que o intuito da contabilização das medidas cautelares é evitar a dupla penalização do réu. De acordo com suas observações, se o período em que o acusado ficou sob prisão preventiva, recolhimento noturno ou quaisquer outras formas de restrição à liberdade não for deduzido da sentença, o Estado estaria abusando de seu direito/dever de punir.
O criminalista Philip Antonioli concorda. Para ele, “qualquer forma de restrição, por qualquer meio, que venha a restringir a liberdade deve se entender como pena. Portanto, acerta o Tribunal de Justiça de São Paulo em seguir tal entendimento.”
Decisão do TJ-SP pela detração de medida cautelar da pena não é inédita
Em outro caso semelhante, dessa vez em fevereiro de 2019, uma mulher acusada de estelionato ficou sob prisão domiciliar sem monitoramento eletrônico por quatro anos. Na ocasião, a ré era mãe de quatro crianças pequenas. Então, após a audiência de custódia, o juiz seguiu o entendimento fixado pelo STF no Habeas Corpus 143.641. A compreensão da Justiça nesse caso prevê a possibilidade de que gestantes e mães de filhos pequenos cumpram prisão domiciliar.
Em primeira instância, o juiz expediu um mandado de soltura para a ré, impondo-lhe algumas condições. Desse modo, mesmo sem a tornozeleira eletrônica, ela precisou cumprir recolhimento noturno, dentre outras restrições.
Logo depois, o Ministério Público de São Paulo apresentou a denúncia, que culminou em uma condenação. A saber, a sentença inicial foi fixada em três anos, sete meses e seis dias de reclusão, em regime fechado.
Achando a pena branda, o Ministério Público recorreu. Porém, tanto o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) quanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitaram o apelo. Surpreendentemente, a instância superior decidiu pela redução da pena para um ano e quatro meses de reclusão.
A defesa, então, solicitou que o tempo que a ré cumpriu de recolhimento fosse computado como pena. Conforme o juízo da execução penal, em primeira instância, houve a negativa, pois entendeu-se que não se aplicava o princípio da restrição da liberdade, uma vez que não houve monitoramento eletrônico.
No entanto, a defesa apelou para o STJ, invocando o Tema 1.155, que diz:
“O período de recolhimento obrigatório noturno e nos dias de folga, por comprometer o status libertatis do acusado, deve ser reconhecido como período a ser descontado da pena privativa de liberdade e da medida de segurança, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e do non bis in idem”.
Por fim, o ministro Ribeiro Dantas, do STJ, deu provimento ao pedido da defesa.
Restrição à liberdade é pena
O criminalista Philip Antonioli destaca as divergências sociais e legais que permeiam a questão e afirma: “De um lado, você tem a sociedade que cobra penas mais pesadas, o fim da saidinha, regime fechado para qualquer infração à lei. De outro, temos os que militam em favor dos direitos humanos, muitas vezes sem observar o que diz a lei em cada caso”.
Antonioli esclarece ainda que é necessário estabelecer um equilíbrio, que começa pela certeza de que haverá pena, a qual deverá ser cumprida, sem amenizar qualquer punição, em um primeiro momento. No entanto, se o condenado vai constituir direito, dentro das normas legais, de remir sua pena, isso deverá ser avaliado caso a caso. Desse modo, é necessário, segundo o advogado, “que se tenha certeza de que haverá punição, e punição dura, para que se tenha o efeito pedagógico diante da sociedade”.
Por fim, o criminalista ressalta que o tema da discussão aqui não é o que deve ou não se abater da sentença. Quanto a isso não há o que discutir: toda restrição à liberdade é pena, sim.
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