Perfilamento racial: a falta de objetividade na abordagem de suspeitos no Brasil

Perfilamento Racial

Criminalista Douglas Antonioli comenta a possibilidade de discriminação racial na aplicação da lei

A falta de objetividade por parte dos agentes de segurança ao abordar suspeitos de cometer atos ilícitos tem sido objeto de debate no Poder Judiciário, gerando grande preocupação na sociedade brasileira. A questão ganhou destaque recentemente no Supremo Tribunal Federal (STF), que analisa um pedido de Habeas Corpus apresentado pela defesa de um homem negro condenado por tráfico de drogas devido à posse de 1,53 grama de cocaína.

Em situações em que não há provas conclusivas, a Justiça frequentemente se baseia na interpretação individual dos policiais – que pode ser obscura e preconceituosa – para julgar acusados de tráfico de drogas, conforme aponta um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O trabalho, desenvolvido pelo Núcleo de Justiça Racial e Direito da instituição, analisou 1.837 decisões em segunda instância em que as defesas questionavam a validade das provas e evidências obtidas com a alegação de que foram influenciadas por razões de discriminação racial.

A conclusão revela um alto índice de perfilamento racial, com a cor da pele representando um fator determinante nas abordagens. Os indivíduos mais visados são homens (75%), vivem em bairros periféricos ou favelas (66%), possuem renda de até três salários mínimos (60%) e têm até 40 anos de idade (48%). Quanto aos locais onde ocorrem as abordagens, os mais relatados incluem vans ou kombis (74%), carros de aplicativo (72%) e transporte público (71%). Há também um elevado nível de abordagens a pedestres (68%).

Para o criminalista Douglas Antonioli, sócio do escritório Campos & Antonioli Advogados Associados, a lei é clara ao exigir como requisitos para a abordagem policial, além de justa causa, elementos que configurem fundada suspeita para a revista. “Se houver perfilamento racial, isto é, se a autoridade levar em consideração as características de raça do suspeito, e não forem observados os requisitos legais, como fundado motivo e justa causa, analisando caso a caso, no contexto das medidas que justifiquem a abordagem, as provas subsequentes poderão ser anuladas”, explica o advogado.

Interpretação da Justiça

O caso sob análise do STF já passou por julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando o ministro Sebastião Reis, relator da matéria, votou pela nulidade do processo por considerar não ter havido justa causa e nem elementos objetivos que configurassem fundada suspeita – a não ser indícios baseados exclusivamente no perfil racial do réu.

Em depoimentos que constam no inquérito, os agentes de segurança declararam ter notado “ao longe um indivíduo de cor negra, que estava em cena típica de tráfico de drogas, uma vez que ele estava em pé junto ao meio-fio da via pública e um veículo estava parado junto a ele como se estivesse vendendo algo”. O homem afirmou que seria usuário de drogas, mas, ainda assim, foi denunciado por tráfico e condenado à pena de sete anos, 11 meses e oito dias, com base exclusivamente no relato dos policiais.

No STJ, Reis foi voto vencido, e o entendimento final da corte foi o de que, embora as provas obtidas por perfilamento racial não devam ser admitidas, não haveria indícios de que a busca teria sido discriminatória – uma vez que ocorreu em lugar conhecido por ser um ponto de tráfico.

No caso, o próprio relator foi o responsável por trazer o argumento da abordagem policial amparada exclusivamente no perfil racial do alvo. A Defensoria Pública havia se restringido ao princípio da insignificância como argumento de defesa, devido à quantidade mínima de droga apreendida.

Após a defesa recorrer, a matéria chegou ao STF, e a votação, ainda não finalizada, está 4×1 contra o entendimento do ministro Sebastião Reis, sinalizando que a Corte Suprema deverá seguir caminho semelhante à votação do STJ.

O único voto favorável ao HC foi emitido pelo relator da matéria na Casa, ministro Edson Fachin, que afirmou haver policiais que operam sob a lógica de combate ao inimigo – e que este, usualmente, é pintado com a cara de um homem negro. Os ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Nunes Marques e André Mendonça, no entanto, não acompanharam a relatoria, e, após o ministro Luiz Fux pedir vista, o julgamento foi interrompido.

Denúncia na ONU


A organização não governamental Conectas denunciou à Organização das Nações Unidas (ONU), durante a 52ª sessão do Conselho de Direitos Humanos, realizada em março deste ano, o perfilamento racial nas abordagens policiais no Brasil. A entidade cobra urgência do Brasil no combate ao racismo estrutural e institucional, destacando que, apesar do compromisso retórico do país, jovens pobres e negros continuam sofrendo abordagens arbitrárias e violentas por parte da polícia, resultando em morte ou prisão.

O que é perfilamento racial?


O perfilamento racial é uma prática discriminatória em que indivíduos são selecionados, abordados ou investigados com base em sua raça, etnia ou aparência. Geralmente ocorre quando autoridades utilizam estereótipos raciais ou étnicos como critério para suspeitar que alguém possa estar envolvido em atividades criminosas, em vez de se basear em evidências concretas ou informações objetivas. Essa prática é considerada uma violação dos direitos humanos, pois perpetua o racismo e a discriminação, estigmatiza comunidades e alimenta a desigualdade social.

 

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