Brasil poderá importar protocolo espanhol “No Callem” para socorrer vítimas de crimes sexuais

No Callem

Deputadas federais apresentam projetos de lei para instituir no Brasil procedimentos adotados pelas autoridades espanholas no caso de Daniel Alves

O Brasil poderá adotar em breve o protocolo espanhol “No Callem” para enfrentamento aos crimes sexuais: tramitam na Câmara dos Deputados proposições legislativas que visam instituir procedimentos similares no país, com a melhoria do atendimento às vítimas de violência – sobretudo quando ocorrida em casas noturnas, bares, restaurantes e outros estabelecimentos de lazer. Em comum, todas as propostas determinam que os locais tenham um funcionário treinado e habilitado para agir em situações de necessidade.

Recentemente, ganhou espaço na mídia o episódio do jogador de futebol Daniel Alves, preso na Espanha após ser acusado de estupro por uma jovem de 23 anos. Ele nega o cometimento do crime, que teria acontecido dentro da boate Sutton, em Barcelona. O caso recebeu ainda maior destaque devido à velocidade e singular eficácia com que foi conduzido pelas forças policiais do país europeu.

A Espanha já era considerada uma referência no combate à violência sexual e na promoção da igualdade de gênero, mas a cidade de Barcelona conseguiu inovar em 2018 ao criar o protocolo de segurança “No Callem” – que define uma série de procedimentos e condutas a serem implementados por organizações privadas tanto para a prevenção quanto para o socorro às mulheres violentadas.

Ao contrário do que sucede na Espanha, a denúncia de um abuso sexual no Brasil é, muitas vezes, um processo desgastante e demorado. Não raro – pontuam diversos especialistas –, as vítimas são constrangidas e desacreditadas até pelas autoridades (houve casos de mulheres processadas por difamação e danos morais).

Quando das primeiras notícias sobre o episódio envolvendo Daniel Alves, o “Me Too Brasil”, organização de apoio às vítimas de violência sexual, informou, por nota, que lamenta a existência de mais um caso de violência de gênero com a participação de um atleta brasileiro no exterior. A instituição também citou a importância da agilidade na denúncia, na coleta de provas e na prisão preventiva dos acusados. “Isso não acontece usualmente no sistema penal brasileiro, onde as vozes das vítimas muitas vezes não são consideradas e são, até mesmo, silenciadas.”

De acordo com veículos da imprensa espanhola, o protocolo “No Callem” foi utilizado no episódio envolvendo o jogador: após receber o aviso de ocorrência, a polícia se dirigiu imediatamente à boate onde o estupro teria sido consumado, colheu o depimento da denunciante e a encaminhou ao serviço médico de emergência.

“No Callem”

Concebido depois da divulgação de um estudo mostrando que estabelecimentos voltados ao lazer constam entre os três espaços com maior recorrência de registros de violências sexuais e de gênero, o “No Callem” prevê procedimentos que devem ser adotados em distintos cenários a fim de garantir o melhor atendimento à vítima, além de impedir a perda de provas.

Em circunstâncias de agressão sexual, o protocolo determina o acolhimento à vítima o mais rápido possível, assim como a verificação, por profissionais do local, como seguranças e gerentes, se há ainda algum risco a ela. O apoio consiste em levar a pessoa que sofreu violência para um lugar protegido e isolado e, caso ela não esteja em condições de compreender o contexto, um acompanhante precisa ser procurado.

Após essa primeira etapa, a vítima passa por consulta médica, se assim o desejar, sendo informada de que o acesso ao serviço de saúde não conduz, necessariamente, a uma denúncia formal. Na hipótese de ela querer realizar o procedimento, o documento recomenda que haja alguém para acompanhá-la.

Com relação ao abusador, o protocolo estipula que, se pego em flagrante ou em vias de cometer o ato criminoso, o estabelecimento pode e deve detê-lo até que as autoridades policiais cheguem. Caso o suspeito não seja encontrado no momento, a vítima poderá descrevê-lo para que funcionários do próprio local o procurem.

Medidas de Prevenção

O protocolo lista, ainda, diversas medidas de prevenção, dentre as quais o reforço à vigilância em ambientes escuros e o fim de ações que possam gerar diferenciação na entrada de homens e mulheres, como disparidade nos preços do ingresso ou gratuidade conforme o gênero.

Também fica previsto que não haja discriminação por conta de vestimenta ou vedação à entrada por questões de aparência. Cartazes ou artes promocionais que objetificam pessoas do sexo feminino, com personagens em poses depreciativas, excessivamente sexualizadas ou com incitação à violência, devem ser evitados.

 

Caso Daniel Alves

Segundo a jovem que acusa o futebolista brasileiro, acompanhada da prima e de uma amiga, ela teria chegado antes das 2h da manhã na boate Sutton, em Barcelona. Pouco tempo depois, o jogador adentrou o recinto com um amigo e subiu para a área VIP.

Convidadas por mexicanos para conhecer o espaço reservado, por volta de 4h teriam sido chamadas, por intermédio de um garçom, a se juntarem a Daniel Alves e seu amigo. Tendo refutado a princípio, acabaram aceitando por insistência.

As moças afirmam não ter reconhecido o atleta, que ofereceu taças de espumante a elas. Após várias iniciativas descritas pela vítima como “nojentas”, Daniel Alves teria indicado uma porta, que ela diz ter acreditado ser outra área VIP, no entanto, tratava-se apenas de um banheiro.

Dez minutos depois do ato consumado, Alves teria ido embora da boate. Conforme registros das câmeras do local, toda a ação durou 16 minutos.

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