Resultado da análise de 5 mil processos, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) conclui que, em milhares de casos relacionados a tráfico, a cor do acusado é determinante para prisão do suspeito
Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), realizada com base nos dados do primeiro semestre de 2019, apontou que a cor da pele é um dos critérios determinantes para a abordagem policial e para a prisão por tráfico de drogas.
O estudo analisou 5,1 mil processos que passaram por tribunais estaduais durante o período. E constatou que, em 17% das causas, não há sequer a apreensão de substâncias ilícitas.
De acordo com o pesquisador do Ipea Alexandre dos Santos Cunha, a análise semântica das sentenças e das denúncias mostrou que os verbos predominantes para descrever a conduta dos réus em relação aos entorpecentes, quando da apreensão, são “guardar”, “transportar” e “possuir”.
Em tese, esse tipo de atividade não configura crime de tráfico de drogas, delito pelo qual os acusados foram autuados.
Em alguns casos, o relatório dos policiais responsáveis pela abordagem constava apenas como “indivíduo negro”.
Para o criminalista Philip Antonioli, sócio do escritório Campos & Antonioli Advogados Associados, especializado em Direito Penal Econômico, “a análise que precisa ser feita sobre essa pesquisa foge ao escopo jurídico”. Isso porque, segundo ele, “temos uma herança discriminatória histórica, que requer ainda décadas de educação para ser superada”.
Julgamento do STF sobre perfilamento racial
No dia 1° de março, o Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou julgamento que discute se as provas colhidas durante uma abordagem que teve motivação pela cor do indivíduo poderiam ser invalidadas.
A abordagem em questão aconteceu em 30 de maio de 2020. Na ocasião, a polícia de Bauru (SP) autuou em flagrante Francisco Cícero dos Santos, que acabou condenado por tráfico de drogas. Francisco recebeu pena de 7 anos e 11 meses em regime fechado.
Depois, a Defensoria Pública de São Paulo apelou para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que baixou a pena para 2 anos e 11 meses em regime aberto. No entanto, a Defensoria alega que a liberdade de Francisco ainda está sendo cerceada.
Considerações sobre o peso da cor nas abordagens policiais
No ato da abordagem, o réu estava em posse de 1,53 grama de cocaína e se encontrava em pé, ao lado de um carro. Os policiais em serviço relataram que ele se encontrava em “atitude suspeita”, por isso determinaram a revista.
A subprocuradora–geral da República, Lindôra Araújo, afirmou, em nome do Ministério Público, que essa cena é típica do crime de tráfico de drogas e não tem nada a ver com racismo. Assim, ela se manifestou a favor da negativa do pedido da Defensoria Pública.
O criminalista Philip Antonioli diz que há bastante expectativa quanto à apreciação, pelo Supremo Tribunal Federal, do uso do perfilamento racial como principal elemento para justificar abordagens policiais. Esse posicionamento, entende Antonioli, vai nortear e acabar por rever a prática, hoje usual, de ancorar as prisões e condenações de acusados principalmente no perfilamento racial.
“Teremos uma definição objetiva sobre a abordagem; e até acerca do julgamento de casos como esse trazidos pela pesquisa.”
Após o voto do Ministro Nunes Marques, em 8 de março, o Ministro Luiz Fux pediu vista do processo.
Fonaer abre chamada para propostas sobre equidade racial
O Fonaer (Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Equidade Racial), criado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), lançou um canal para receber sugestões para contribuir com novas propostas e a adoção de medidas nessa área. O prazo para o envio de contribuições terminou no último dia 31 de julho.
Participaram universidades, organizações voltadas para os direitos humanos e de igualdade, além de órgãos oficiais de justiça. Como Ministério Público Federal e estaduais, Defensoria Pública, etc.
As contribuições recolhidas serão usadas para subsidiar uma minuta de resolução, a ser apresentada pelo Fonaer, sobre os pilares da justiça pela equidade racial.
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