Catfishing, sextorsão e estelionato sentimental: cresce a variedade de golpes por aplicativos de relacionamento

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Criminalista Cida Silva alerta para os riscos que correm aqueles que buscam relacionamentos por meio de aplicativos como Tinder e Badoo

Com o avanço das tecnologias da comunicação e inovação, os métodos de paquera mudaram e, hoje, milhões de pessoas utilizam aplicativos e sites de relacionamento. Há diversas histórias sobre ferramentas, como o Tinder ou o pioneiro Badoo, que ajudaram a formar casais – e até mesmo famílias inteiras. No entanto, é preciso ficar atento, pois esses espaços vêm sendo amplamente utilizados por criminosos em busca de novas vítimas.

“As redes sociais, incluindo os apps de relacionamento, ganharam milhões de novos adeptos. Com o aumento do número de usuários, era de se esperar que também aumentassem os golpes praticados nessa nuvem de relações”, explica a criminalista Cida Silva, sócia do escritório Campos e Antonioli Advogados Associados e especialista em segurança bancária.

Visando escapar da Justiça, os golpistas, “sempre na vanguarda, criam sucessivas formas de abordagem para assegurar sua fonte de renda” – esclarece Cida, que continua: “Enquanto as autoridades focam em uma modalidade de golpe, os criminosos estão à frente, já com novas formas de atuação”.

De acordo com a advogada, por meio de manipulação, o delinquente, ou a quadrilha por trás do crime, ganha a confiança da vítima, no intuito de pedir dinheiro ou obter informações suficientes para roubar sua identidade. Em alguns casos, a intenção dos criminosos é efetivar um sequestro, por intermédio de um falso encontro.

Também conhecida como “fraude do relacionamento online”, a prática é especialmente cruel, pois se aproveita, muitas vezes, da carência, dos sentimentos e da boa vontade das pessoas. Embora qualquer um possa ser enganado, os criminosos buscam, preferencialmente, vítimas mais velhas – explica Cida –, pois estas têm maior probabilidade de possuírem bens, fundos de pensão ou imóveis.

A criminalista faz um alerta sobre o nível de violência e a variedade dos delitos: “eles transitam, com desenvoltura, entre os crimes de ameaça, estelionato, extorsão, cárcere privado, latrocínio e homicídio, entre outros”.

Pandemia

Nos últimos anos, o isolamento social, consequência da crise da covid-19, propiciou as condições perfeitas para a atuação dos golpistas – e a prática vem crescendo no mundo todo.

“A pandemia que abateu o mundo a partir de 2020, com ênfase nos dois primeiros anos, deu força às alternativas de relacionamentos virtuais, da mesma forma que deslocou para a web, de forma muito mais intensa do que já vinha acontecendo, transações financeiras e atividades laborais”, complementa Cida.

Nos Estados Unidos, por exemplo, em 2016, a Federal Trade Commission (Comissão Federal do Comércio) recebeu 11.235 queixas relacionadas a golpes do relacionamento on-line. Em 2020, esse número já havia subido para 52.593 casos. As perdas estimadas no país, no mesmo ano, ultrapassaram US$ 300 milhões.

No estado de São Paulo, dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP) dão conta de que mais de 50% dos sequestros registrados são realizados através de aplicativos de relacionamento. Somente em 2021, a secretaria informou que a Divisão Antissequestro do Dope atendeu 94 ocorrências dessa natureza, tendo detido 251 suspeitos e apreendido 9 adolescentes infratores.

Casos Recentes

No final de 2022, na Serra da Cantareira, Zona Norte de São Paulo, criminosos sequestraram um médico de 40 anos e movimentaram mais de R$ 75 mil da vítima, mantida refém por cerca de 14 horas.

O médico explicou à polícia que, após conhecer uma jovem por meio de um aplicativo de relacionamento, foi convidado à casa dela, em Pirituba, onde foi rendido por dois homens e levado para o cativeiro. Lá, os algozes o forçaram a fornecer as senhas de suas contas bancárias.

Além de realizar um empréstimo de R$ 65 mil, os sequestradores fizeram transferências com valores superiores a R$ 7 mil, sacaram R$ 2 mil e gastaram outros R$ 1.000 em compras.

Faces do golpe

São diversas as variedades de esquemas inseridos no “golpe do relacionamento on-line”, mas, em geral, os ardis iniciam-se em um aplicativo de encontros. Na sequência, destacamos esquemas que cresceram nos últimos meses:

Catfishing

Trata-se da junção dos nomes em inglês de dois animais, gato (cat) e peixe (fish). Um dos golpes mais famosos, ocorre a partir da criação de uma identidade falsa no mundo virtual com o objetivo de enganar outros usuários com quem o criminoso se relaciona emocionalmente.

De acordo com Cida, “estabelecido o vínculo sentimental, o golpista usa a relação de confiança que construiu para enganar e obter vantagem, principalmente financeira, a partir de perfis fake”.

A advogada conta que, no Brasil, o catfishing não é um crime por si só, mas a prática se enquadra em crimes como estelionato, falsidade ideológica ou extorsão, previstos nos artigos 171 e 158 do Código Penal. “Dependendo de cada caso em concreto, existe a possibilidade de os crimes concorrerem simultaneamente.”

Sextorsão

Configura-se pela ameaça de divulgar imagens íntimas da vítima, chantageando-a para fazer algo contra sua vontade. “Os golpistas ganham a confiança da pessoa, fazendo-a acreditar que existe um relacionamento virtual, pedindo fotos e vídeos íntimos e, posteriormente, ameaçando expor as imagens em redes sociais”, enfatiza Cida.

“Em que pese existir semelhança com outros ilícitos penais, o crime de sextorsão se destaca pela finalidade específica de obter vantagem econômica, configurando chantagem para sua obtenção”, sublinha a advogada. Segundo ela, a prática envolve obrigatoriamente ameaça, chantagem, exposição da intimidade da vítima e vontade de obter vantagens, incorrendo nos crimes previstos nos artigos 147, 158 e 171 do Código Penal.

 

 

Golpe do Amor (“estelionato sentimental”)

 

Nesse caso, conforme Cida, geralmente, o golpista finge ser uma pessoa que vive no exterior, bem-sucedida financeiramente e que busca um relacionamento sério. Após conquistar a confiança da vítima, o delinquente apresenta o desejo de viajar para conhecê-la pessoalmente.

Ele pede, então, um depósito em dinheiro ou o número do cartão de crédito para pagar a passagem, sob promessas de devolução – explica a criminalista. “E justifica o pedido com a história de que suas contas foram bloqueadas momentaneamente por alguma discussão judicial. A maioria das vítimas são mulheres com boa situação financeira.”

Golpe do Encontro

Modalidade que tem se mostrado cada vez mais violenta e grave, o “golpe do encontro” atinge principalmente homens. “Nesse golpe, a vítima conhece alguém por meio de um aplicativo de relacionamento e marca um encontro presencial. Quando chega ao local combinado, é surpreendida por criminosos, tem seus bens roubados e até pode ser sequestrada pelos bandidos”, destaca a advogada.

No caso de ocorrer o sequestro relâmpago, a vítima é obrigada a fornecer senhas bancárias e realizar transferências via PIX, e até mesmo pedir empréstimos pessoais. “Todas as operações financeiras realizadas por meio do celular são feitas em benefício dos criminosos, mediante a coação violenta da vítima”, resume Cida.

Por fim, a especialista alerta para situações veiculadas na mídia, com desdobramentos mais graves quando o delito é consumado. “Existem casos em que houve a morte das vítimas em decorrência do falso encontro, incorrendo em vários outros crimes concomitantemente.”

Projeto de lei

Em 2019, o deputado federal Julio Cesar Ribeiro (REP/DF) apresentou o Projeto de Lei nº 6.444/19, aprovado pela Câmara dos Deputados e aguardando votação no Senado, para incluir na legislação o crime de “estelionato sentimental”.

 

O texto do PL propõe que aquele que incorrer no crime de estelionato sentimental terá aumento de pena do crime de “estelionato comum”, que passa de um a cinco anos de reclusão mais multa para dois a seis anos de reclusão e multa. “Se o crime for cometido contra uma pessoa idosa ou vulnerável, a pena é triplicada”, finaliza Cida.

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