Para o Criminalista Philip Antonioli, proposta pode se transformar em um instrumento de vingança contra companhias ou alguns de seus funcionários
Procuradores americanos anunciaram em fevereiro a criação de uma política de autodivulgação voluntária destinada a encorajar as empresas a admitir crimes. A ideia é que aqueles que cooperarem recebam benefícios significativos em qualquer acordo resultante. Dentre as vantagens, estariam não ser obrigado a se declarar culpado de um crime, receber uma recomendação de sentença mais baixa ou evitar totalmente as acusações.
A política segue as metas que a vice-procuradora-geral Lisa Monaco estabeleceu em um memorando de setembro, revisando a abordagem do governo às políticas de execução criminal corporativa. A expectativa do Ministério Público americano é que o critério dê às empresas um roteiro mais claro de quando devem se apresentar e quais benefícios podem esperar.
O criminalista Philip Antonioli, sócio-fundador do Campos & Antonioli Advogados Associados, escritório especializado em Direito Penal Econômico, critica a proposta.
“Vejo essa linha de atuação adotada pelo MP nos EUA, sob o contexto brasileiro, como péssima, improdutiva e desnecessária para nossa realidade. Péssima, primeiro, porque a pessoa que vai fazer uma denúncia pode achar que vai relatar a prática do que acredita ser um crime, mas na verdade, do ponto de vista técnico, da legislação, não é. Pode ser uma prática imoral ou irregular sob o aspecto administrativo, mas não se tratar de crime”, opina.
O advogado cita um caso hipotético para avaliar a política americana.
“Por exemplo: se eu tenho o entendimento de que não devo recolher um tributo “X”, mas um colega de empresa entende que é necessário, sim, o recolhimento. Como tenho o poder de decisão, não faço o recolhimento. Então, vou ser denunciado por alguém da minha equipe por sonegação, quando se trata de um entendimento possível para aquela questão tributária. Tal como a própria vida, as questões tributárias são muito complexas e passíveis de interpretações diversas”, afirma.
Possibilidade de vingança
Antonioli também entende que a proposta de autodivulgação de crime pode se transformar em um instrumento usado como meio de vingança contra a empresa ou algum de seus funcionários por um terceiro, um desafeto, talvez um empregado ou ex-empregado insatisfeito por um motivo que nada tem a ver com o suposto crime que ele relata às autoridades.
“É uma política improdutiva, acima de tudo e principalmente, porque vai criar um clima de desconfiança na empresa: uma cultura de denuncismo que tende a corroer as relações de confiança necessárias ao bom ambiente corporativo”, diz.
O advogado rememora o caso da Lava Jato para questionar a orientação dos promotores americanos.
“Vamos olhar os fatos com uma visão real. A pessoa que faz uma denúncia não necessariamente está dizendo a verdade. Nós vimos isso na Lava Jato, quando muito do que foi relatado nas delações depois levou a incontáveis nulidades processuais porque não se conseguiu provar. O sujeito preso ia lá e dizia o que as autoridades queriam ouvir para se livrar do problema e sair da cadeia”, recorda.
Lei brasileira
Ainda de acordo com Antonioli, a política do MP dos EUA seria desnecessária no Brasil, porque a legislação daqui já considera atenuante de pena a confissão de um crime.
“Então, o sujeito que denuncia um crime do qual fez parte já tem respaldo legal para que sua pena seja reduzida. Agora, novamente olhando o mundo como ele é: ninguém narra um fato criminoso como uma prática cívica ou inocentemente. Sempre há um interesse em jogo; e, em nome desse interesse, essa pessoa pode vir a mentir, até para dividir responsabilidades com terceiros que não são necessariamente verdadeiras. E se, no final das contas, descobre-se que a conduta narrada pelo denunciante não aconteceu? Os prejuízos causados aos denunciados, quem vai ressarcir?”, indaga.
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