Criminalista Douglas Antonioli explica como a entrega de um pacote com drogas em nome de uma mulher que não o enviou rendeu condenação aos Correios
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos foi condenada pela 1ª Vara do Juizado Especial Federal de Assis (SP) a indenizar por danos morais uma mulher que teve um pacote com drogas remetido em seu nome, mesmo não o tendo enviado. No entendimento do juiz Bruno Santhiago Genovez, a companhia tem responsabilidade objetiva no caso, a despeito da não comprovação do dolo, já que a atividade que desenvolve expõe direitos alheios ao risco.
A demanda foi ajuizada por uma mãe que, acusada de ter mandado um invólucro com entorpecentes para o filho preso, ficou impedida de visitá-lo por dois anos – e o homem deixou de contabilizar dias remidos da pena. Perícia grafotécnica demonstrou, no entanto, que ela não havia escrito as mensagens constantes no envelope da encomenda.
Sem poder comprovar a autoria da postagem por parte da acusada, a empresa pública foi condenada a indenizá-la em R$ 10 mil por danos morais – e responsabilizada por permitir que o pacote com substâncias ilícitas chegasse ao destino.
De acordo com o criminalista Douglas Antonioli, sócio do escritório Campos e Antonioli Advogados Associados, especializado em Direito Penal Econômico, dada a previsão constitucional de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória – e a constatação de que a mãe não fora responsável pelo envio do pacote com drogas –, sobreveio a ação de indenização por danos morais.
“No caso em análise, houve evidente defeito na prestação do serviço pelo requerido, que redundou em sérios abalos psíquicos na esfera de personalidade da autora, tratando-se de hipótese de dano”, disse o advogado.
Após estudar o caso, a Justiça considerou plausíveis as alegações da mulher e decretou que os Correios arquem com a indenização, acrescida de juros, contando da data de postagem da encomenda.
Responsabilidade objetiva
Segundo Antonioli, “responsabilidade objetiva” é aquela em que a obrigação de indenizar independe de dolo ou de culpa, bastando nexo causal entre a conduta e o dano sofrido pela vítima. Como empresa pública – ele esclarece –, os Correios respondem diretamente pelos danos causados por seus agentes.
“Os Correios enviaram o pacote até o CDP com droga, entorpecente. Então, foi constatado diretamente pela responsabilidade objetiva que a mãe do detento, como remetente do pacote, responderia como ré pela responsabilidade objetiva”, complementou o criminalista.
Além disso, ele pontua que, do ponto de vista jurídico, segundo o artigo 37 da Constituição Federal, é objetiva a responsabilidade jurídica das empresas privadas prestadoras de serviços públicos, conforme previsto pela teoria do risco administrativo.
“O ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria do risco integral, devendo o Estado brasileiro responder por qualquer ato que venha causar dano a alguém. A despeito de haver dolo, culpa ou omissão do agente, o Estado será responsabilizado”, detalhou.
Princípio da culpabilidade
Douglas Antonioli também recorreu ao “princípio da culpabilidade” para comentar outros aspectos da questão judicial. “Até aqui estamos falando na esfera cível. Na esfera penal, no arcabouço legal adotado pelo Brasil, não existe responsabilidade objetiva.”
No conceito, a responsabilização decorre, segundo ele, de uma prática ilícita ou da violação ao direito de outra pessoa. “No Direito Penal, portanto, temos a responsabilidade subjetiva, que também pode ser denominada como princípio da culpabilidade.”
Em outras palavras, no Direito Penal brasileiro – explica o advogado –, a culpa não pode ser presumida, tem que ser provada. “É necessário haver o trânsito em julgado de uma causa para que uma pessoa possa ser considerada culpada, condenada.”
Correspondência inviolável
Nesse debate é importante frisar que, mesmo com a responsabilização dos Correios no exemplo em tela, a empresa não tem o poder legal de violar as correspondências dos usuários a pretexto de evitar o cometimento de delitos.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X, referente aos direitos e garantias fundamentais, estabelece que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
O inciso XII do mesmo artigo reforça tal entendimento: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.
O ato constitutivo da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – o Decreto-Lei nº 509, de 20 de março de 1969, assinado pelo então presidente da República, Artur da Costa e Silva – adota providência semelhante.
Em seu artigo 13º, o marco legal impõe que: “ressalvada a competência do Departamento de Polícia Federal, a ECT manterá serviços de vigilância para zelar, no âmbito das comunicações, pelo sigilo da correspondência, cumprimento das leis e regulamentos relacionados com a segurança nacional, e garantia do tráfego postal-telegráfico e dos bens e haveres da Empresa ou confiados à sua guarda”.
Judicialização crescente
A usuária havia contratado o Sedex para que o destinatário recebesse o pacote no dia da comemoração de seu aniversário. A opção pelo frete expresso, mais dispendioso, não garantiu, contudo, a entrega no prazo previsto.
Em sua defesa, a companhia alegou que o endereço no pacote estaria incompleto, mas o juiz não considerou o argumento. Os Correios também foram condenados a reembolsar os R$ 27,20 gastos pela cliente com a postagem da encomenda.
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