Criptocrime leva candidatos a vagas de trabalho a comprar criptomoedas para golpistas

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Criminalista Carolina Carvalho de Oliveira alerta que a prática configura estelionato na modalidade eletrônica

A cada dia, os criminosos encontram novas maneiras de enganar os desatentos – e o universo cripto representa um terreno fértil para essas novas práticas delituosas. O mais novo esquema na praça é conhecido como “golpe do falso emprego”, no qual os bandidos aproveitam-se do cidadão desempregado que, em desespero, diante do anúncio de uma suposta vaga, acaba se expondo, e, muitas vezes, até perdendo dinheiro.

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A criminalista Carolina Carvalho de Oliveira, sócia do Campos e Antonioli Advogados Associados e integrante do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), explica que o golpe do falso emprego com pagamento em criptomoeda culmina na prática do estelionato na modalidade eletrônica. “Ou seja, pratica crime aquele que obtém vantagem indevida com a utilização de informações fornecidas pela vítima por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de correio eletrônico fraudulento.” 

O termo utilizado para esse golpe é “hiracking” (da palavra inglesa “hire” + “hacking”, ou “contratação hacker”) e funciona da seguinte maneira: primeiro, a vítima recebe um e-mail, aparentemente confiável, de um recrutador de uma empresa reconhecida no mercado, informando sobre o interesse em uma entrevista para um trabalho remoto.

O segundo passo desse esquema tem início quando a pessoa aceita a suposta contratação e começa a “trabalhar” para os estelionatários. Estes, então, pedem que a vítima execute pequenas tarefas envolvendo o próprio dinheiro, em transações com criptomoedas, com a promessa de um posterior reembolso. O dinheiro, no entanto, nunca é devolvido – e o suposto empregador desaparece.

Essa metodologia criminosa já é comum em sites de recrutamento, no entanto, só passou a abarcar criptomoedas nos últimos anos, quando a tecnologia se popularizou. Entre as motivações dos infratores, destaca-se a dificuldade de rastreamento e recuperação do valor subtraído por parte das autoridades.

 

“Diante de toda a modernidade e o sigilo das transações em criptomoeda, é importantíssimo que haja uma atenção maior antes de se aceitar um emprego envolvendo questões que fogem ao alcance da análise do interessado, pois a criptomoeda, em particular, não permite uma investigação, e, por conseguinte, é um campo que viabiliza a prática de ilícitos”, alerta a advogada.

Casos recentes

Usuário do LinkedIn, o jornalista Gustavo Miller publicou na plataforma, em dezembro de 2022, um relato de como caiu no golpe. “Há um mês, comecei um novo emprego (falso). Eu fiz uma integração (falsa). Conheci (falsos) colegas”, escreveu. Nesse caso, os criminosos utilizaram o nome da corretora de criptomoedas Coinbase, uma das maiores do mundo.

Após receber um e-mail com uma oferta de trabalho em condições interessantes, Miller conta que não desconfiou de nada: “era um cargo remoto como autônomo, algo com o qual estou bastante familiarizado. O salário era bom, mas pedi alguns dias para pensar”. Nesse período, ele investigou o suposto recrutador, que possuía milhares de conexões no LinkedIn e, inclusive, recomendações. 

Ele conta que, após conversar com dois amigos, um da própria Coinbase e outro da Binance (outra grande corretora), resolveu aceitar a oferta. “Então eu assinei o contrato”. 

No dia seguinte, como parte do treinamento, foi solicitado à vítima que instalasse um aplicativo chamado Paxful, para análise da concorrência. “Em algum momento, me pediram para comprar US$ 200 (cerca de R$ 1 mil) em bitcoins e transferi-los para uma conta de treinamento da Coinbase. Acionei então uma bandeira vermelha e solicitei uma chamada de vídeo com o (falso) recrutador”, prosseguiu Miller.

Ao notar que o jornalista estava desconfiado, o golpista mudou o tema da conversa e pediu para ele acessar uma página falsa da companhia de produtos e serviços Insight e solicitar seu material de trabalho, como notebook e fones de ouvido, entre outros. “Cerca de 10 minutos depois, recebi um e-mail de alguém da Insight com uma fatura de US$ 3.200”, revelou. 

Golpe transnacional

 

Outro caso semelhante aconteceu com o consultor de tecnologia indiano Yashaswi Singh. O profissional foi contatado por e-mail para trabalhar na CoinDesk, uma página jornalística que atua cobrindo o universo das criptomoedas. Toda a contratação foi feita virtualmente e parecia ser verdadeira, até que os falsos recrutadores pediram que ele comprasse US $100 em criptomoedas para comprovar que tinha familiaridade com o assunto.

Singh percebeu que se tratava de um esquema e recusou. “Se não fosse um golpe, eles teriam enviado pelo menos mais um e-mail para saber o que havia acontecido.”

Foram tantas tentativas de golpes envolvendo a CoinDesk que a companhia resolveu publicar, em seu site, uma mensagem informando a lista de funcionários da empresa. “Se alguém que não esteja nessa lista entrar em contato no Twitter, Telegram ou outro canal dizendo ser um membro do CoinDesk, por favor nos notifique imediatamente”, dizia a mensagem. 

Como se precaver

 

A primeira dica é redobrar o cuidado com recrutadores que solicitem que você use carteira pessoal de criptomoedas. Nenhuma empresa séria fará esse tipo de pedido. Além disso, é indicado seguir alguns passos para se precaver:

 

Identificação:

Sempre saiba com quem está tratando. Solicite informações sobre o seu correspondente. Golpistas, por motivos óbvios, evitam apresentar identificação. Caso se trate de uma empresa grande, busque informações diretamente no site ou pelos canais de comunicação.

 

Salário dos sonhos: 

 

O ditado é claro: “quando a esmola é demais, o santo desconfia”. É normal que existam diferentes salários e que determinadas empresas paguem valores maiores, mas sempre fique atento à remuneração média para o cargo pretendido – e suspeite de ofertas muito vantajosas.

Dados pessoais:

 

Em um primeiro contato, é importante não fornecer dados pessoais desnecessários. Informações básicas, como nome, sobrenome, endereço de e-mail e número de telefone, são suficientes para um recrutador continuar o processo de seleção.

Gastos preliminares:

 

Empresas não podem exigir cobrança de taxas como parte dos requisitos para uma seleção. É importante ficar atento a qualquer etapa que possa solicitar pagamento.

Links estranhos:

 

Antes de clicar em qualquer link, investigue e verifique a procedência dessa vaga. Desconfie de links não identificáveis, com letras soltas e sem organização lógica, pois pode ser outro indício de tentativa de roubo de dados.

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