Crime e castigo: Congresso aprova projeto que endurece punições contra racismo, injúria racial e outras formas de descriminação

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Para Sócrates Suares, o maior desafio da sociedade será a correta interpretação, fiscalização e aplicação da lei, para que realmente “pegue”

Após sete anos de discussão no Congresso Nacional, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto que estabelece punições mais severas para aqueles que praticarem injúria racial. O texto, que aguarda a sanção presidencial, modifica a Lei do Crime Racial (Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989) e o Código Penal (Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940). Trata-se de um substitutivo do Senado Federal ao Projeto de Lei nº 1749/15, de autoria dos deputados federais Tia Eron e Bebeto, que contou com parecer favorável do relator, o deputado Antonio Brito. 

“A matéria já vinha sendo discutida no Congresso desde 2015 e foi aprovada pela Câmara dos Deputados e encaminhada ao Senado em novembro de 2021”, explica o criminalista Sócrates Suares, sócio do escritório Campos e Antonioli Advogados Associados, em artigo publicado recentemente pelo Estadão. 

 

“A aprovação desta lei, que agora aguarda apenas a sanção presidencial, é um importante avanço na conscientização e no combate ao racismo e ao preconceito”, defende o advogado, esclarecendo que a medida “fortalece a legislação vigente ao aumentar a pena para quem cometer o crime, além de contemplar situações específicas em que este pode ser praticado, como na internet, nas mídias sociais, em jogos de futebol, em shows de stand-up comedy, por agentes de segurança bancária e de transporte de valores”.

 

O advogado conta que no Senado Federal o texto passou por diversas alterações, que aumentaram o escopo da proposta original. “A matéria foi aprovada e o projeto retornou à Câmara sob a forma de substitutivo em maio de 2022, sendo a redação final do projeto votada e aprovada no último dia 7 de dezembro.”

A proposição modifica o Código Penal ao remover a prática de injúria racial – isto é, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional – e incorporá-la à Lei nº 7.716/89. “Essa alteração majora a pena mínima, antes prevista de 1 a 3 anos, para pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa; prevê ainda o aumento pela metade da pena se o crime é cometido por duas ou mais pessoas”, esclarece o criminalista, que vai além: “o projeto acrescenta no parágrafo 2º do artigo 20 da referida Lei a previsão de cometimento do crime por intermédio de publicação em redes sociais ou da rede mundial de computadores, com pena de reclusão de 2 a 5 anos”.

Caso o delito ocorra em ambiente ou contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público, Suares pontua que, em acréscimo à pena de reclusão de 2 a 5 anos, aquele que praticar o crime será proibido por 3 anos de frequentar locais destinados a práticas esportivas e artísticas. “Com certeza a proibição tende a desestimular torcedores e outros envolvidos que venham a cogitar realizar novas práticas racistas.”

A nova legislação também tipifica como racismo o ato de obstaculizar, impedir ou praticar violência contra qualquer forma de manifestação ou prática religiosa. Além disso, determina que todos os crimes previstos na lei terão suas penas acrescidas entre 1/3 e 1/2 caso sucedam “no contexto ou com o intuito de descontração, diversão ou recreação ou quando praticado por funcionário público, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las”.

Conforme a regra, o juiz deverá considerar discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado a pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida – e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência. Com relação à fase processual, tanto em varas cíveis quanto criminais, a vítima de racismo deverá ser acompanhada por um advogado ou defensor público.

“Contudo”, pondera Suares, “ao passo que o Legislativo atualiza a lei penal para os dias atuais, a interpretação e aplicação correta da lei e, principalmente, a fiscalização da proibição de frequência serão os desafios de toda a sociedade, a começar pelos operadores do Direito, para que a lei realmente ‘pegue’ e cumpra o seu papel de punir aqueles que, em pleno século 21, praticam qualquer tipo de racismo ou discriminação”.

Racismo Estrutural

 

O conceito de racismo estrutural engloba uma série de hábitos, gafes, práticas e falas do dia a dia que reforçam, mesmo que inconscientemente, a discriminação e o preconceito racial. Podem ser expressões pejorativas, que inferiorizam pessoas por cor, raça ou etnia, ou piadas que utilizam do humor para menosprezar determinados grupos ou pessoas.

Estatísticas assustadoras

 

Somente em São Paulo, os casos de discriminação racial registrados pela Secretaria de Justiça e Cidadania no 1º semestre de 2022 já ultrapassaram o total de casos dos dois anos anteriores. Foram registrados 265 casos de discriminação pelos canais de denúncia da pasta, mais do que as 251 denúncias contabilizadas entre 2019 e 2021.

De acordo com dados de 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os 212,7 milhões de brasileiros, 47% se identificam como pardos, e 9,1%, como pretos. Também de acordo com o IBGE, esse grupo representa 70% da população abaixo da linha da pobreza.

O 16° Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontou que em 2021, entre as mortes violentas intencionais, 78% foram de negros, e 21,7%, de brancos. Já com relação às mortes causadas pela polícia, essa discrepância se torna ainda maior: 84% dos mortos em operações policiais são negros. Comparando 2021 com o ano anterior, enquanto esse indicador apresentou queda de 31% entre a população branca, houve um acréscimo de 5,8% entre pretos e pardos.

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