Identificação facial de suspeitos não pode servir à detenção de inocentes

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Levantamentos apontam que a prática é responsável, muitas vezes, pela detenção de inocentes. Resolução do CNJ busca reduzir as chances de condenações injustas

Identificação facial de suspeitos não pode servir à detenção de inocentes

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma resolução que estabelece “diretrizes para o uso do reconhecimento de pessoas em procedimentos e processos criminais e sua avaliação no âmbito do Poder Judiciário”. A votação ocorreu durante a 361ª Sessão Ordinária do colegiado, no dia 06 de dezembro de 2022. Os conselheiros votaram de forma unânime pela aprovação da proposição – que tem por objetivo “tornar o sistema de justiça criminal mais eficiente na apuração de delitos”.

Para que tal propósito seja cumprido, foram fixados protocolos, cientificamente embasados, para a identificação de indivíduos por meio do reconhecimento, de modo a assegurar os direitos e garantias dos cidadãos, sem prejudicar a correta atuação dos agentes públicos. 

Entre os principais pontos, destacam-se “a delimitação, por natureza, do reconhecimento de pessoas como prova irrepetível e o estabelecimento de que o reconhecimento seja realizado preferencialmente pelo alinhamento presencial de quatro pessoas e, em caso de impossibilidade, pela apresentação de quatro fotografias, observadas, em qualquer caso, as diretrizes da resolução e do Código de Processo Penal”. Caso não seja possível a identificação segundo esses parâmetros, a norma determina que outros métodos de prova sejam priorizados. 

O documento impõe a necessidade de indícios da participação da pessoa no suposto delito, comprovados por meio de investigação prévia, antes da realização do procedimento de reconhecimento. É exigida, ainda, a coleta de autodeclaração racial dos reconhecedores e dos investigados ou processados, a fim de facilitar à autoridade policial e ao juiz a análise da prova, levando em consideração o efeito racial cruzado. 

A resolução determina que a autoridade evite apresentar o investigado de forma isolada, assim como o uso de catálogos de suspeitos e imagens extraídas de redes sociais ou de qualquer outro meio. Também fica assentado que o agente público deve assegurar que a pessoa intimada a realizar o reconhecimento não seja induzida ou sugestionada, garantindo a inexistência de informações prévias, insinuações ou reforço das respostas apresentadas por ela.

Reconhecimento de pessoas

 

Trata-se do mecanismo através do qual o sistema judicial identifica uma pessoa que figure como parte em um processo judicial ou que tenha sido acusada de crime ou delito. Tal procedimento inclui a verificação de documentos como carteira de identidade, carteira de motorista, passaporte ou a realização de testes de reconhecimento de voz ou de imagem.

O que dizem os dados

 

Pesquisa realizada pela organização Innocence Project, de Nova York, aponta que, de 375 casos em que a inocência de uma pessoa condenada injustamente foi comprovada por meio de exame de DNA, a principal causa foi o reconhecimento equivocado.

Um levantamento realizado pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro concluiu que, no contexto nacional, houve a decretação da prisão preventiva em 60% dos casos de identificação fotográfica equivocada.

Os dados revelam que o tempo de prisão entre os casos que resultaram em detenção foi de 281 dias – o equivalente a cerca de nove meses. Em 83% dos casos de identificação errada, as pessoas apontadas eram negras, reforçando a existência do racismo estrutural como uma injustiça por trás de outra injustiça.

Na imprensa, são frequentemente divulgadas situações em que fotografias de famosos são usadas indevidamente em álbuns de reconhecimento de suspeitos. Uma característica comum entre essas histórias é que as vítimas do uso indevido de imagem costumam ser pretas ou pardas.

Exemplos notórios

 

Entre os casos mais recentes, o do influenciador digital e palestrante Thiago Torres, também conhecido como “Chavoso da USP”, destaca-se. Ele não foi investigado em nenhum processo, mas teve sua imagem retirada de suas redes sociais e usada em um álbum de reconhecimento em um inquérito que investiga um caso de sequestro em São Paulo.

Segundo a Polícia Civil, a imagem do influenciador foi empregada porque é “semelhante à de um suspeito”. A foto consta no inquérito pelo menos desde outubro e, junto com as de outros homens, foi mostrada a uma vítima de sequestro para identificação.

Já no caso do serralheiro Tiago Vianna Gomes, a situação foi agravada devido a uma fotografia que constava no álbum da Polícia Civil do Rio de Janeiro em 2018. Como resultado, ele foi preso injustamente duas vezes e enfrentou 10 meses de cárcere. Além disso, sua foto não foi removida do catálogo policial – o que o levou a ser apontado como ladrão 9 vezes.

No início de 2022, uma foto do ator estadunidense Michael B. Jordan, conhecido por suas participações em franquias como “Creed” e “Pantera Negra”, foi incluída pela Polícia Civil do Ceará em um álbum para reconhecimento de suspeitos de uma chacina na noite de natal de 2021.

Recomendações

 

Há medidas que os órgãos de investigação podem adotar para minimizar o risco de prender pessoas inocentes por causa de um reconhecimento facial equivocado:

  • Utilizar tecnologias: é fundamental que a polícia use tecnologias de reconhecimento facial de alta qualidade que tenham sido minuciosamente testadas e validadas.
  • Tomar medidas de precaução: a polícia deve seguir protocolos rigorosos para garantir que o reconhecimento facial seja apenas um dos vários fatores levados em consideração durante uma investigação.
  • Treinamento: os responsáveis pela investigação devem receber treinamento adequado sobre como usar e interpretar os resultados do reconhecimento facial de forma responsável. 
  • Transparência: a polícia deve ser transparente sobre como está utilizando o reconhecimento facial e fornecer informações detalhadas sobre os métodos empregados.
  • Supervisão: é necessário um sistema de supervisão e revisão independente para garantir que o uso do reconhecimento facial pela polícia esteja de acordo com as leis e regulamentos aplicáveis.

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