O Real Digital é uma moeda virtual, mas não se compara a criptomoedas como Bitcoin e Ethereum, caracterizadas pela descentralização e volatilidade
Apesar de terem sido criadas como alternativas às moedas fiduciárias (isto é, aquelas emitidas por bancos centrais), as moedas digitais estão cada vez mais incorporadas pelos Estados nacionais. Conhecidas pela sigla CBDCs, do inglês “Central Bank Digital Currency” (Moeda Digital do Banco Central), constituem uma das grandes novidades do universo tecnológico financeiro, que já chega ao Brasil.
Estimativas do Banco de Compensações Internacionais (BIS) indicam que cerca de 80% dos bancos centrais do mundo estão desenvolvendo moedas digitais. No Brasil, o Banco Central anunciou a criação do Real Digital ainda no ano passado, com o objetivo de “desenhar uma moeda digital de emissão do BC, que seja parte do cotidiano das pessoas, sendo empregada por quem usa contas bancárias, contas de pagamentos, cartões ou dinheiro vivo”.
Erroneamente, muitas pessoas acreditam que as CBDCs equivalem a versões cripto do numerário oficial do país. Apesar das semelhanças, elas são centralizadas e possuem um valor estável, funcionando com uma espécie de extensão digital das divisas físicas. A diferença é que as unidades virtuais não podem ser convertidas em cédulas, existindo tão somente na forma de códigos binários gerados pelo Banco Central.
As criptomoedas como o Bitcoin e o Ethereum, por outro lado, são descentralizadas e dependem de mineração (produção através da realização de cálculos e operações de desencriptação). Sem lastro, elas funcionam, na maioria das ocasiões, como opção de investimentos e de reserva de valor, não obstante a sua alta volatilidade.
A previsão é que o Real Digital chegue ao mercado em 2023. Desde o anúncio da novidade, o BC tem realizado ações com a participação do público e de “stakeholders” – grupos de pessoas ou organizações interessados no tema – com o objetivo de identificar possíveis aplicações do Real Digital.
Umas das iniciativas foi o Laboratório de Inovações Financeiras e Tecnológicas de Desafio do Real Digital (LIFT Challenge Real Digital), que possui, entre seus integrantes, Itaú, Santander, Visa, Mercado Bitcoin e Febraban.
Lavagem de dinheiro e outros delitos
Para a criminalista Carolina Carvalho de Oliveira, sócia do escritório Campos e Antonioli Advogados Associados, especializado em Direito Penal Econômico, o Real Digital precisará ser desenvolvido com base na legislação atual “de modo a prevenir os ilícitos de lavagem de dinheiro e outros delitos que porventura possam se aproveitar da digitalização da moeda”.
Segundo a advogada, o novo formato difere do das criptomoedas, que não são refiladas pelo sistema financeiro brasileiro. “Assim, apesar de ser uma versão digital, terá que passar pela regulação do sistema financeiro, sendo tratada pela legislação de crimes contra o sistema financeiro nacional, que, por seu turno, deverá ser aprimorada em suas capitulações e procedimentos processuais”, afirmou Carolina.
“A questão é que toda a atualização mundial requer uma segurança cada vez mais presente para que a economia siga de maneira funcional e legal”, concluiu a advogada. “O Banco Central terá que regular esta moeda digital para que seja iniciada”.
Diretrizes de funcionamento
As diretrizes do Banco Central para o desenvolvimento do Real Digital foram divididas entre normas de funcionamento, garantias legais e premissas tecnológicas.
Um dos eixos fundamentais é a possibilidade de o Real Digital ser utilizado no varejo, no cotidiano de todos que operem com contas bancárias, contas de pagamentos, cartões ou dinheiro vivo, de modo que a moeda se integre aos sistemas de pagamentos vigentes, possibilitando operações como transferências e pagamentos online.
Com relação às garantias legais, mesmo que o arcabouço jurídico nacional demande ajustes para preservar a segurança jurídica das operações, um dos princípios é a observância do sigilo bancário e da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
A salvaguarda dos mecanismos de prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa também é defendida pelo BC, assim como a capacidade de rastreamento do dinheiro para o cumprimento de ordens judiciais.
No que tange à logística, o modelo de distribuição prevê que o Banco Central emita o real em formato digital, que será transferido para o beneficiário através dos participantes do sistema de pagamentos, tal qual se verifica hoje com o real físico.
Por fim, no tocante à tecnologia, a proposta é manter a abertura para possíveis padrões internacionalmente acordados de transferência de divisas, ao mesmo tempo em que se garanta a proteção contra ataques cibernéticos.
Impacto Econômico
Apesar de as diretrizes do Banco Central preverem a preservação dos vínculos entre clientes e instituições financeiras, um estudo da consultoria Accenture indica que as instituições bancárias e fintechs serão impactadas pelo Real Digital.
A previsão é que a possibilidade de o BC disponibilizar de forma gratuita serviços ofertados por essas instituições mediante remuneração acarrete consequências negativas para o setor, embora o crescimento do mercado de crédito possa gerar impactos positivos.
A consultoria prevê a possibilidade de ampliação do universo para a oferta de produtos, bem como a oportunidade de acesso ao mercado de moedas digitais de forma juridicamente mais segura, ainda que essa disposição implique na diminuição do relacionamento com o cliente e das margens de lucro em serviços financeiros convencionais.
Para o consumidor, segundo a projeção, o Real Digital poderá trazer possibilidades inovadoras, como a desobrigação de possuir uma conta bancária para utilizar o dinheiro, pois este será guardado em uma carteira virtual. O câmbio monetário também deverá ser facilitado: em uma viagem ao exterior o usuário poderá converter a moeda diretamente no país em que estiver.
Quanto à segurança, acredita-se que o Real Digital será desenvolvido com base em “blockchain”, rede por meio da qual é possível monitorar crimes financeiros com mais facilidade e detalhamento.
Resolução BCB Nº 185/2022
Em fevereiro de 2022, foi publicado no Diário Oficial da União a RESOLUÇÃO BCB Nº 185, que instituiu o Comitê Executivo de Gestão (CEG) da Edição Especial Laboratório de Inovações Financeiras e Tecnológicas de Desafio do Real Digital (LIFT Challenge Real Digital), de natureza deliberativa, responsável por viabilizar o desenvolvimento do Real Digital.
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