O tema do stalking (ou “perseguição” em português) ganhou protagonismo no debate global após o sucesso da série “Bebê Rena”, da Netflix, que, baseada em fatos, mostra a conturbada vida de um comediante que se vê perseguido por uma mulher. Um evento relativamente raro, uma vez que a esmagadora maioria das vítimas de stalking são mulheres. Em São Paulo, por exemplo, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, foram 169 mil denúncias feitas por mulheres nos últimos três anos, contra 28 mil realizadas por homens.
No Brasil, a criminalização do stalking ocorreu somente em 2021, e desde então, as denúncias de perseguições aumentaram, impulsionadas pelo uso crescente das redes sociais e pela evolução tecnológica. A nova lei prevê penas de seis meses a dois anos de prisão, com agravantes se a vítima for mulher, criança, adolescente ou idoso. Antes disso, a prática era tratada de forma mais branda, como contravenção penal ou crime de ameaça.
Com a tipificação do delito, medidas cautelares podem ser aplicadas, como a proibição de contato com a vítima, e em casos de persistência ou crimes mais graves, o perseguidor pode ser preso. Além disso, é possível a condenação cível do perseguidor, para reparação de danos materiais e morais causados às vítimas.
A cultura das redes sociais tem papel fundamental no aumento da prática de stalking. A facilidade de acesso a informações pessoais e a possibilidade de anonimato incentivam comportamentos obsessivos e abusivos. Advogados, por exemplo, podem ser alvos de perseguição devido à natureza de sua profissão, na qual o envolvimento em determinados processos pode levar questões profissionais para o lado pessoal.
Uma prática comumente usada contra profissionais do direito é o chamado “stalking processual”, uma forma de assédio que ocorre dentro do sistema judicial, na qual processos legais são utilizados de maneira abusiva para perseguir, intimidar ou sobrecarregar a outra parte. Essa prática desvirtua os objetivos legítimos do sistema de justiça e pode causar danos emocionais, psicológicos e profissionais às vítimas. No stalking processual, o abusador inicia processos judiciais repetitivos e infundados para causar transtornos à vítima, fazendo uso excessivo de notificações extrajudiciais sem fundamentos sólidos, forçando o “stalkeado” a gastar tempo, dinheiro e energia para se defender de acusações infundadas.
“As vítimas de stalking processual passam por grande estresse emocional e psicológico, sem contar os prejuízos financeiros e à carreira profissional. Além disso, esse tipo de assédio sobrecarrega o sistema judicial com processos desnecessários, desviando tempo e recursos que poderiam ser utilizados para resolver disputas legítimas”, aponta Philip Antonioli, sócio-fundador da Campos & Antonioli Advogados Associados.
Combate ao stalking
Para enfrentar este desafio, é essencial adotar uma abordagem multifacetada que envolva legislação, tecnologia, educação e suporte às vítimas. O fortalecimento das leis e a garantia de sua aplicação rigorosa são passos fundamentais, no entanto, a legislação por si só não é suficiente. É necessário agilizar os processos judiciais e garantir que os perseguidores sejam punidos de forma eficaz.
A educação e a conscientização também desempenham um papel crucial na prevenção do stalking. Informar a população sobre os riscos e as formas de proteção é vital para reduzir a vulnerabilidade das potenciais vítimas. A tecnologia pode ser uma aliada poderosa, desenvolvendo ferramentas que identifiquem e bloqueiem perseguidores de maneira eficiente. Além disso, o apoio psicológico e legal às vítimas deve ser amplamente disponível, ajudando-as a navegar pelo processo judicial e a recuperar seu bem-estar.
No caso específico do stalking processual, é fundamental introduzir leis que tipifiquem essa prática como crime, com penas específicas para os abusadores, além de estabelecer critérios claros para identificar e penalizar o uso abusivo do sistema legal. É necessário criar procedimentos rápidos para identificar e arquivar processos infundados, permitindo que as vítimas solicitem medidas protetivas contra o abuso processual. A formação e conscientização dos profissionais do direito também são essenciais para que todos estejam informados sobre os limites éticos do uso do sistema judicial.
“Todas essas iniciativas envolvem, em algum grau, a participação efetiva das redes sociais”, afirma Philip Antonioli, “As empresas de tecnologia precisam criar mecanismos de denúncia eficazes e responder rapidamente a relatos de perseguição, removendo conteúdos abusivos e protegendo as vítimas.”
O stalking é um mal do nosso tempo, que precisa ser combatido com ferramentas igualmente modernas. Nunca foi simples para a legislação acompanhar os passos da sociedade, mas, no atual compasso do mundo, é imperativo que aceleremos na direção de proteger os cidadãos comuns e os advogados dessa prática persecutória.